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segunda-feira, dezembro 19, 2011


Conto Maldito de Natal


Parte 3 - O final sem final...

Embora naquela manhã, eu tivesse ido levar o lixo para o latão... tinha em mim um peso hediondo misto de angustia, culpa adquirida, verdades mescladas com as calhordices que fiz por ai... como um engodo fatal, uma chaga exposta para dentro de mim.
Eu sabia muito bem que não poderia fazer nada por Zéfiro, que como um trem arrancando-se dos trilhos, ele começava a sua descida ao inferno.

Você conhece o diabo? Nem queira, a presença do mal calcinando nossas mais tenras emoções e sensações... sabia disto tudo.
Nos dias que se seguiram, ele aparecia cada vez pior, fora perdendo o olhar inocente, o animal convertendo-se em um instinto, o homem matando o menino... beijando ruinas do desterro, num natal sem pai... mãe... a rua... a mãe ingrata, restos de tudo, e uma tentativa de sobreviver.

No final de semana desci para levar o lixo novamente. Zéfiro dormia no chão, próximo ao latão, sujo e quase irreconhecível. Não sofro de humanidade aguda... pouco em importam que se do outro lado mundo, milhares morrem como cães... mas quem de nós esta preparado para ver o obscurecer de alguém luminoso ao seu lado?

Como uma doença informal nas entranhas da emoção... quando nada ou ninguém liga? A lucidez esmagada pela deformidade... uma peia na tentativa de reservar um pouco de felicidade volátil?

Acordei Zéfiro.

-Ei Zéfiro... Zéfiro...acorda ai cara...tudo bem?? Tudo bem?

Ele que parecia morto... abriu os olhos devagar... puxa vida que sensação boa de o ver abrindo os olhos... não estava morto... vivo sim...ainda que seja nas misérias de sua vida iniciante. Talvez como aquele dia que amanhecia... ele talvez... pudesse... trilhar outra coisa... fazer outra historia... como vamos saber?

-Tio... oi...tio... que dor... de cabeça... bah...
-É... bom para se saber que ainda se tem cabeça...

Ele ri sem graça.

-Como tu tá cara?
-Aqui tio... vivendo...o corpo me dói... to com fome...
-Fome?
-É faz uns dois ou três... dias que não como nada...

Não queria me meter nisso... mas acho que de alguma forma já estava...

-Segura ai Zéfiro... Já volto aqui...

Fui ate o apartamento e fiz uns três pão com manteiga... e levei pra ele. Eu era um cotonete tentando aplacar uma sangria de artéria. Mas não havia tempo pra medir a razão disso. Peguei um comprimido pra dor de cabeça... e um copo de refri...
Chego lá e ele ainda estava deitado.

-Bah tio... massa... e esse remédio aqui?
-Pra dor de cabeça... eu acordo de ressaca quase todos os dias da semana... e dor de cabeça é danado de ruim...
-Legal.

Ele comeu rapidamente, tomou o remédio. Comida sempre cai bem.

-Então Zéfiro... tá chegando próximo ao natal... tu não vais tentar falar com alguém? Mãe... tio...alguém...

Houve um longo silencio, uma pressão asfixiante que explodiu pelos seus olhos marejados. Acho que havia tocado no botão errado.

-Não tenho ninguém tio... ninguém... minha mãe ta morta... morta...
-Sei Zéfiro... sabe, meu pai também morreu. Mas é impossível não lembrar dele nestas datas todas... de alguma forma ele esta conosco. Algumas vezes não temos o ideal... a coisa perfeita que não existe. Cada um de nos dá o que pode... oferece o que pode... por muitos motivos... uns oferecem sua dor... seu medo... sua saudade... seu inconformismo... mas que são essas coisas? Um valor de um abraço... que seja... um olhar...sei lá...
-Tio tu tens cinco reais?
-Vais comprar pedra?
-Vou... preciso agora...
-Não vai rolar Zéfiro... eu não sou moralista... mas não tenho a mínima vontade de te dar essa grana...pra isso... já ajudei bêbados...e outros viciados mais velhos que tu... mas de uma forma estranha eu acredito que tu podes sair isso...ainda...então...
-Tu acreditas em coisas estranhas tio...
-É verdade...sou todo estranho...

Ele achou engraçado. Talvez do meu ar de concórdia, sou realmente estranho, como tais situações que se criam em nossa vida... a flor cáustica do deserto... a aurora boreal... o ramo verde nascendo no concreto frio... as improváveis coisas que existem como um traço longínquo de nossa alma a procura de salvação... as lembranças das raras coisas boas que fazemos por ai....

Gostava daquele garoto, tentava lançar em minha alma a ganga das compreensões possíveis quando uma situação não esta ao nosso alcance mudar... essa era uma verdade cruel de Deus... tem coisas que não está em nossa vontade mudar... essa porra simplesmente não muda!!

Infelizmente nos dias que se seguiram Zéfiro simplesmente desapareceu... uma neblina devassada pelo amanhecer de dias natalinos. Laços mentais tentando capturar nuvens... assim me sentia. Zéfiro fora engolido por Pelotas... onde estaria? Estaria bem? Estaria vivo?

E eu que comecei a sequencia de textos falando sobre Zéfiro, contando como uma fotografia textual do opaco de sua vida... termino sem fim... uma historia que se contou... um natal sem presentes... um garoto com os sonhos fuzilados pelos dias...deixo a vocês a mesma sensação que estou sentindo...

fim...

Luís Fabiano.


Um comentário:

Dóris disse...

Tens certeza de que tu não poderia ajudar o menino? Existem várias maneiras de ajudar alguém.