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terça-feira, novembro 30, 2010


Selvagens elos.



Depois de algumas horas de porradas mutuas, surgiu uma espécie de companheirismo. Por vezes fica difícil de explicar. Um batismo feito de cumplicidade, elo de uma dor real. Algo que transcende antagonismos. Assim foram nossos dias.
Naquele instante as diferenças desapareciam pelo cansaço, trepar era bom. Nunca fui adepto de brigas. Que me lembre, nunca briguei por nada ou ninguém. Entendo que ninguém vale a pena o suficiente para isso aconteça. E mesmo existindo tanto amor ou nenhum, meu instinto de preservação creio ser mais forte.
Mas inevitavelmente isso não se dá com quem vive ou conviveu comigo. Uma convivência de desafio. Perdi a conta de coisas que me arremessaram, facas, cuecas sujas, calcinhas molhadas, absorventes, sapatos, copos, vasos ou qualquer objeto que estivesse a mão. Eu me defendia e nunca contra-atacava. Ficava barato como tiro ao alvo.
Pra brigar é preciso haver dois. Porem tudo tem um dia. Eu estava vivendo com Lena. Havia chegado em casa cansado. Fui morar com ela em um pequeno barraco em vila decrépita, algo parecido com cortiço. Um lar dos infernos.
Eu tinha um serviço de office boy e vinte anos. Ou seja, era um entre ninguém. Lena era muito quente na cama, muito quente nas emoções e quente demais nas reclamações. Todo o santo dia era aquilo. Não havia dinheiro, não havia o suficiente, a casa suja, o ciúmes da vizinha e outras coisas deste nível.
Os primeiros vinte minutos que eu chegava em casa, eram sempre assim. Eu deixava ela falar o que quisesse. Me sentia uma espécie de vomitório. Não era mal. Depois aquilo passava. Ela se acalmava e convertia-se na mulher que havia conhecido. Vinha esfregar os peitos grandes na minha cara, com grandes bicos duros e negros. Mudava a safada. Ali começa o céu. Puta que pariu, porque aquela vadia não era sempre assim?
Ficamos horas naquilo. Éramos pobres e trepavamos como milionários. Ela me sugava inteiro, fazíamos em um sessenta e nove interminável. Por vezes gostava que ela peidasse na minha cara, essas doces belezas do prazer, não gosto de frescura.
Então adormecíamos com anjos bêbados sonhando com um paraíso, que nunca veio. Foi assim durante alguns meses. Sou um cara que não esquece. Mesmo esta parte sendo tão boa, estas brigas de todos os dias iam minando minha paciência. Neste aspecto creio que ser imutável. Não me pressione, não me cobre, não me imponha nada, porque vou embora sem explicar. Foda-se você e seu amor.
Quando cheguei naquela noite em casa, vinha de um dia complexo. Um daqueles dias que não devemos sair de casa, porque a merda esta no ar, como uma névoa, você a respira e não tem para onde escapar.
Aquilo foi o limite. Lena começa a discutir e a falar, a escuto por cinco minutos. Então me ergo da cadeira, o tigre mau havia acordado.
-Cala a boca Lena, para de falar agora...para ...
Lena se assustou. Aquilo não era meu perfil. Eu me sentia muito estranho, tomado por algo muito ruim, os músculos rijos e disposto a tudo. Um animal. Em segundos pensei em muitas coisas, como bateria nela por exemplo. Como bateria em quem se metesse a besta. Uma raiva nasceu de minhas entranhas, uma raiva sem fim, sem limites e muita disposição...
Então Lena se ergue, e vem gritar comigo:
-Resolveu virar macho em minha casa, seu filho da puta? Que vai fazer? Me bater? Hein...fala? Vai virar covarde também? Tu é um merda cara, tu não faz nada em ninguém...o cara mais idiota que conheci...
Eu me sentia tonto. Mas avancei contra ela e a segurei pelo braço, um braço frágil que se partiria como um palito de dentes. Apertei muito forte. E fechei a mão pra dar uma porrada na cara.
Então voltei a mim. O tigre saiu de mim. A empurrei contra a parede e respirei fundo. Ela falava sem parar entre lagrimas e ranho. Porque fazia isso? Me levava a loucura em todos os sentidos, mas vivíamos visitando o diabo, nos alimentando de sua baba, como diz um grande amigo meu.
Me sentia como uma ressaca felina. Aquilo era o fim. Deixei ela falar o quisesse, jogar coisas em mim, jogar minhas poucas porta a fora. Não queria lutar mais. Que me lembro essa foi a primeira e a ultima vez que fiz isso.
O tigre poderia destruí-la com uma única garra, e me destruiria junto também. Silencie felino. Não vale a pena. Ninguem vale a pena.
Desde então prendi o Tigre dentro de mim. O máximo que deixo é ele aparecer em alguns momentos, em bons momentos. Sei que ele ainda tem garras afiadas e dentes fortes e seu olhar é poderoso. Eu cuido pra que fique assim.
Juntei meus cacarecos e voltei pra casa. Deixei pra trás Lena e seu amor louco. Amor é uma alteração química, não tem como voltar atrás. A partir daquele dia eu mudei, e não creio que queira voltar atrás.


Luis Fabiano.
A paz é o Tigre acorrentado.

Um comentário:

Dóris disse...

Nem sempre a PAZ é um tigre acorrentado. Desacorrente o tigre e terás PAZ.
Bom conto, mas a imagem do tigre é bem melhor.

Abraço cheio de PAZ.