Pesquisar este blog

quarta-feira, setembro 29, 2010


Tiro de amor

Minha afinidade com armas é irrelevante. Nunca dei atenção. Mas por fatalidade, depois comecei a trabalhar, encontrei algumas. Tive diversos empregos. Alguns patrões portavam armamentos, e faziam questão de mostrar. Como uma extensão peniana. Estamos sempre em busca de poder barato. Alguns eu achava ridículo.
Diziam: olha só isso? Isso mata facilmente, faz um buraco considerável...e outras tolices .
Aprendi a manejá-las no quartel. Onde fui armeiro. Uma função interessante. Aprendi montagem e desmontagem de vários tipos de armas. Calibres leves a canhões. Isso era feito para manutenção preventiva, lubrificação .Eu gostava. Principalmente depois do horário do meio dia. Eu e meus colegas, saiamos para almoçar fora. A comida dentro do aquartelamento era horrível. Nosso almoço fora, era com cervejas. Muito bom. Eu voltava meio alto, e minha tarde de trabalho era muito aprazível.
As partes das armas pareciam quebra cabeças. Eu nunca errei a montagem e nunca faltaram peças. Era uma diversão, com direito a tiro de festim. Apontávamos as armas uns para outros, embora fosse proibido. Puxávamos o gatilho.
E agora isso ?Era patético.
Quando aquela arma saiu da gaveta durante o sexo, sabia que não viria boa coisa. Era um belo quarenta e quatro niquelado. O cano maior que meu pau. Ela sorria, com aquela proposta que parecia muito perigosa embora interessante:
-É fácil, tu sabes que eu sou” espaçosa”... coloca uma camisinha no cano e enfia em mim. Então tu engatilha...e... fica fazendo o movimento, mas sem apertar o gatilho tá?
Será que ela achou que eu fosse apertar? Bem...
-Mas Fátima, tu não acha meio arriscado, não?
-Não. Vai ser uma delicia, eu quero, e tu terás uma boa historia pra contar. Afinal quem trepa com um cano de um revolver?
-Sim. Poderá ser a ultima historia né? Porque se errar, a merda disparara no teu rabo, vai última vez de muitas coisas.
-Essa é a ideia, adrenalina, loucura, prazer, seja criativo...
-Mas se isso disparar, isso vai sair no teu crânio.
Pelada na cama, com aquela arma considerável. Era alguma coisa a se pensar. Fátima era maluca o suficiente para querer fazer isso. Já tínhamos feito coisas estranhas. E com o tempo as brincadeiras começavam a ficar mais pesadas.
Ela me passou a arma, eu carreguei com uma única bala. Definitivamente aquilo poderia dar muito errado. Em tais situações cruciais, é preciso ter frieza na alma. E mesmo algo alcoolizado, tinha o poder de evocar tal frieza. Aquilo dava medo. Não preciso dizer que a esta altura meu pau ficou envergonhado. Talvez pela dimensão do cano dourado.
Preparei a cena do crime. Coloquei a camisinha no cano prateado, dei uma boa cuspida ali. Ela ficou de quatro. O olho do amor piscava para mim. Tomei o cuidado de avançar o tambor da arma, fazendo que a munição passasse para o outro lado. O lado não perigoso. Então não haveria perigo real. Para ela sim. A mente faz tudo acontecer. A vida é uma cena, bem ou mal feita. Venho chegando a conclusão disto a muito. Amor, ódio, tesão e tudo mais ,podem ser emulados por um tempo indefinível, basta ter disposição para isso. É como uma peça mecânica, tudo se encaixa e o cão é puxado pra trás.
Enfiei o cano devagar, ela gemia feliz. Engatilhei, ela ouviu o barulho do gatilho. Aquilo era poesia. Musica de gemidos e um gatilho puxado, uma bala dourada que escapava do cano.A morte rondando, o prazer, o gozo. Ato definitivo da vida, como se a vida não fosse definitiva. Fiz o teatro que era preciso. Talvez seja isso que as pessoas não percebem. Só precisa-se de um teatro para ser feliz.
O a cano entrou todo. Realmente espaçosa. Por fim depois de uns cinco minutos, Fatima teve seu prazer e tirei o cano agora não mais prateado, borrado. Nos deitamos um pouco, e descarreguei a arma e entreguei a ela:
-Fatima, porque isso?
-Sonho morrer assim, quero morrer no ato extremo da minha vida. Nada de morte idiota na cama de um hospital. Ou em casa cagando, quero morrer na possibilidade de um gozo.
-Acho que você devia parar com as drogas. Um dia brincando, podes morrer de verdade.
-Tu desejas parar de viver?
Ela tinha estes acessos de profundidade aleatória, em meio ao caos. Não queria parar de viver, por mais que a vida esteja uma merda. O quarenta e quatro volta pra gaveta, ela me abraça carinhosamente aconchegada em meus braços. Beija-me com suavidade e diz esta feliz hoje. Me sinto vencido por seus argumentos, por sua doce loucura por não saber que acontecerá amanhã.

Luís Fabiano.

Nenhum comentário: