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segunda-feira, setembro 27, 2010


Dias amargos

Existem dias que acordar pela manha, é um verdadeiro milagre. Já sei o script de cor. Nada acontece demais, surpreendente ou inesperado. A vida ou morte são um desenho previsível. O comum aguarda. Nem uma bomba cai próxima de minha casa. Ou vizinhos se matam a tiros.
As coisas transcorrem com uma normalidade mórbida. Confesso que cansa. Uma tela em branco. Saber que ao abrir portas, janelas ou que for, nada terá novidade. Mesmo abrindo o coração, aos desgraçados da vida, as sequiosas mulheres a procura de uma esperança em suas vidas. Todos seguem o script. Qual a novidade?
Para mim nenhuma. Elas dizem eu te amo como quem peida. Ao final tudo converte-se em uma sinfonia de caos, com coro Wagneriano. No fundo não culpo ninguém, apenas falo por falar. Como tantas coisas que digo, ás vezes para completar vazios de uma conversa oca.
Cultivei esse estado de ser, minha vida toda. Nós as pessoas comuns somos assim. Reduzo todos a uma dimensão puramente humana.
Lembro que quando era mais jovem, imaginava que as pessoas eram algo surpreendente. Achava muitos amigos inteligentes, alguns até me inspiraram. Mas quando chegam questões, existências, a inteligência desaparecia. Eles se tornam comuns, vulgares e frágeis. Como qualquer um sem inteligência. Naturalmente entendia.
As pessoas não são geniais, elas são o que são. Quem o é, somos nós. Nosso brilho as ilumina, nossa percepção, as torna o que são. Difícil compreender isso. Mas os artistas verdadeiros sabem o que digo. A satisfação não nasce da aprovação alheia. Nasce do prazer pessoal, da entrega ao que se faz, a tal ponto que doar já satisfaz. E isso é contudo. Se você não é feliz consigo mesmo, bem, não espere que a felicidade bata a sua porta.
Nosso esforço inglório é contrário. Queremos ser surpreendidos, ser “pegos” , ser enriquecidos por fora. Como uma correte ordinária, que ganha um banho de ouro. Ela continua sendo ordinária. Nos também.
É preciso minerar-se. Cavar fundo, tirar a terra toda, o lixo para achar o ouro. Brilho único e intransferível. O outro brilho, é emprestado, desgasta-se rapidamente. É a bijuteria existencial. Gostamos destas merdas penduradas.
De qualquer forma, tem dias que acordo, e por um instante nada tem sentido. Olho para os lados e não vejo nada. Nem Deus, nem diabo, nem objetivos, e mesmo a bebida não tem gosto algum.
Os dias demoram a passar, como se tivessem mais que vinte e quatro horas. As esperanças ganham a acidez, e como um relâmpago mental, nem sei porque estou vivo. Poderia acabar agora, não é mesmo?
Mas existe a filosofia. E como magica, abro algum dos muitos livros que tenho a minha volta. Leio um pedaço qualquer, como um comprimido, um calmante, um antidepressivo. E em meio a uma frase de meus malditos mestres, uma única palavra salva. A luz acende em mim. A droga mais poderosa de todas, sinto-me redimido. Como um salmo, uma prece, um beijo sem preço, um abraço do vento.
Então levanto ,abro a porra da janela, olho para a maldita humanidade se arrastando, tentando ser algo. Digo para mim mesmo: então foda-se! Não há nada lá fora, você sabe disso. Tudo esta dentro, no coração, nas entranhas, nas vísceras. Espelho existencial.
Se não sair dali, simplesmente não existe. Nem paixão fulminante, nem ódio radical e todos os outros sentimentos que carregamos e escondemos. O dia será longo mas não há como escapar. O céu esta cinza, e nada parece muito promissor.

Luís Fabiano.
A paz escapa entre os dedos

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