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terça-feira, setembro 14, 2010


João De Barro.


Eu achava que aquela mania dele era um pouco estranha. Enfiar dedos no cu, e depois cheirar, como se estivesse cheirando a flor mais perfumada da vida, era algo diferente. Mas hoje olhando com um pouco mais de consideração, acho que o entendo. Mas ainda não apertaria a mão dele.
Estávamos naquela idade, onde meninos se tornam homens, ao menos alguns. Tive amigos que fizeram outras escolhas. Eu contava com dezessete e Danilo era o mais velho de nossa turma. Agradeço a Deus por nunca mais ter visto ninguém de minha adolescência. Até hoje considero que foi a parte mais idiota de minha vida. Lembro que queria crescer logo, ter meu emprego e constituir o que a sociedade chama de normal. Mas tudo deu em nada.
Tive muitos problemas com Danilo. E mesmo com habito tão estranho, era o brigão da turma. O mais macho, o valentão o cara que fazia e acontecia. Eu o achava idiota. Estava sempre na esquina de minha rua, sentado cheirando os dedos perfumados. Naturalmente, que isso lhe rendeu um apelido, o João de Barro.
Os dedos estavam sempre sujos nas pontas, de merda. Quando ficou sabendo do apelido os problemas começaram de forma mais intensa. Quem dissesse o apelido estava ferrado. Na primeira oportunidade eu disse. Tive uma briga com ele e me dei mal. Nada sério sobrevivi, apenas o ego ficou um pouco arranhado. Mexeram muito comigo, mas eu disse o apelido cara dele. Eles ficavam falando as escondidas, nos cantos.
Depois deste episódio do apelido, minha amizade com Danilo acabou. Tornou-se inimizade. Ele se tornou aquele cara chato e perseguidor. Com dezessete anos eu já estava me treinando a tornar-me indiferente as pessoas, as dores, as perdas e as vezes ao bem.
Meus colegas não entendiam muito isso. Eu falava de imperturbabilidade. Me chamavam de maluco. Minha família me chamava de maluco, então estava segundo eles enlouquecendo homeopaticamente.
Tentei vários caminhos para isso. Meditação, concentração, religião e outras coisas. A natureza sabe o que faz. Com o tempo fui sentindo esfriar em mim, a paixão pela vida e a tudo que a ela se relaciona. As leituras e as conversas que tive, me ajudaram muito.
Danilo continuava chato. E eu o usei para testar minhas teorias. Não foi nada fácil aprender a olhar com indiferença para aquilo. Mas neste aspecto o venci. Mas as brigas continuavam. Quando estávamos em grupo, ele queria que eu fosse embora assim que chegasse. Fiz algumas vezes, para evitar confronto. Não gosto de confronto direto. Não pelos outros, mas por mim mesmo.
Neste dia em especial, comecei a entender as escolhas conscientes que fazemos na vida. Ele chega, manda eu ir embora. Eu estava frio. Apenas disse que não iria. Como as mulheres furiosas que falam, falam e falam sem parar, ele fazia ameaças. Eu estava tranquilo. Porem achava que era preciso fazer algo. Ainda não sabia bem o que.
Fisicamente estava em desvantagem. Então a metade de um tijolo no chão, me pareceu um verdadeiro cristal. Finalmente Danilo veio para cima, empurrando não tive duvidas. O tijolo acertou acara dele. Que parou de falar. Sua face ganhou nova pintura. Não preciso dizer que isso causou problemas aos meus pais com os vizinhos.
Danilo tornou-se vitima de um delinquente. Não expliquei nada, todos sabiam da historia. Passei a aguardar que ele se recuperasse, e claro viesse buscar sua vingança.
A ideia de apanhar me parecia justa. Ele me bateria, ficaria com o ego em dia e não me importunaria mais. No fundo até hoje pra mim é isso que me interessa. Não ser importunado. Faço o possível para passar invisível. Gosto de ser o que ninguém lembra, o que fica oculto, o verminoso.
Danilo recupera-se, e torna a estar no grupo. Porem não fala comigo. Creio que foi a melhor solução. Naturalmente não imaginava, que eu queria compensar o nariz quebrado, os lábios cortados e o rosto inchado. Não sentia arrependimento. Que me recorde, nunca senti isso em minha vida. Agora com dezoito anos, achava as pessoas que se arrependem tolas. Até hoje acho. Não pensaram, agiram como agiram e agora choram. Não chore. Foda-se dignamente como qualquer pessoa.
Acabou que nunca aconteceu nada. Nem vingança, e a vida nos separou definitivamente. Na semana passada fiquei sabendo que ele fez escolhas erradas em sua vida. Morreu cheio de tiros, como um bom valentão. Começo achar que o tempo as vezes não muda nada.Que me torno mais cínico a medida que a idade chega. Caro ex amigo, mande lembranças ao demônio, um dia nos encontraremos lá.
E tudo isso, por causa do cheiro do cú.

Luis Fabiano.

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