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terça-feira, julho 13, 2010


Ralo entupido.

As pessoas esquentam demais a cabeça por nada. Pequenos problemas podem converter-se em guerras mundiais. Temos este dom de piorar muito as coisas quando queremos. É dom, vem do desespero que entendemos e que não queremos entender. Coisas deixas pra trás. Lurdes me liga totalmente queixosa. Eu detesto queixas, mas é uma amiga velha que tenho. Amiga que se conversa, se trepa e troca-se confidencias e outras coisas. Ela ao menos, não gosto de confessar:
-Fala Lurdes...
-Oi Fabiano, tudo bom ?
-To normal, nem pior nem melhor, e tu?
-Estas de mal humor hoje?
-Ainda não, mas estamos indo para um bom caminho...
-Sei, que houve? Não comeu ninguém noite passada?
-Lurdes, você me telefonou, que houve com você?
-Tô muito irritada, o ralo da cozinha entupiu novamente, tá um fedor a ranço por toda casa...
-É, poderia ser o vaso, o perfume é mais pesado...
Ela gargalha no telefone. Tenho a impressão que sou o Bozo. Fiquei naquela, não entendi porque ela tava me ligando.
Para os poucos que me conhecem, serviço doméstico não é minha praia. Respeito quem faz, mas não tenho a menor habilidade.
Meu máximo é trocar uma resistência de chuveiro, se for eletrônico. Nunca gostei destas tarefas. Diga-se passagem que tive brigas por causa disso. Se depender de mim, permaneço com a mesma roupa, mesma cueca, mesma camisa por alguns dias. Dou uma boa cheirada, se tiver legal vai tranquilo. Isso não me incomoda.
-Lurdes, não entendo nada de ralo, pia entupida. Faça o seguinte enfie um arame lá e penetre fundo, como uma trepada rápida. Faça o vai e vem e nesta merda, veja o que acontece.
-Sei que tu não entende nada disso. Foi apenas pra conversar um pouco estou estressada.
-Tá, tua voz não parece de estresse.
Permanecemos em silencio. Um silêncio que parecia ter grades, um silencio engasgado. Esperei ela dizer mais alguma coisa. Então disse:
-Era isso então Lurdes, boa sorte com seu ralo.
-Tá bom, mas Fabiano, me diz uma coisa, ás vezes tu lembra que eu existo?
-Lembro, tenho um coração grande as vezes. Lembro de muita coisa,as vezes sinto saudades, embora seja raro.
-Hoje me deu um aperto no coração, lembrei de você, precisava ligar, queria te ouvir ou ver.
-Tá tudo bem.
Comecei a sentir o cheiro de ralo entupido. Aquele cheiro que vai agulhando o nariz lentamente, torturando, o ralo estaria entupido em minha casa também? Foda-se, iria deixar transbordar a merda toda.
-É saudade, sabe.
-Sim Lurdes, sinto saudades também. Mas sou assim mesmo, a distancia não me incomoda.
-Vem me ver qualquer dia destes, faço uma janta sabes...
-Ok.
-Tchau.
-Tchau.
Havia mais coisas entupidas em minha vida que ela podia imaginar. O dia que for desentupir isto, vai voar merda pra todos os lados, não quero nem ver. Lurdes estava carente até o osso. Ás vezes um abraço, uma foda carinhosa preenchem espaços vazios, sulcos que sofrimento e amores fodidos deixam em nossas vidas. Sempre se tem uma merda de passado.
Gostaria que as pessoas não sofressem assim, mas viver é foda, e é inescapável um pouco de lágrimas.


Luís Fabiano.

Uma vez tentei desentupir um ralo. Não deu certo, me sujei muito, achei melhor achar alguém expert em ralos.
A paz foi quando o cara chegou.

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