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domingo, junho 27, 2010


Sem braços e sem abraços.

Quando conversei com ele novamente, ele não era mais o mesmo. Acho que ninguém nunca é o mesmo. O maldito acidente literalmente fudera sua vida no meio. Aquelas coisas que fazem você perguntar realmente ao Divino: Eí, que porra é essa aí que você esta fazendo?
A vida modifica-se momento a momento. Mas percebemos sempre tarde demais. E nada é pior que tarde demais.
Na voz de Chico, um tom de profunda amargura, revolta e dor. Mas não tem como voltar atrás. Seu braço não voltaria para o lugar. Assim como nossas carnes apenas envelhecem, sem volta, sem disfarce.
Quando terminamos de falar, tive a impressão vaga, que a vida é uma espécie de roleta russa. Você tem boas propostas, até faz tudo direitinho, mas nada é garantia de nada. Tudo que você tem, é apenas o momento. Um momento de cada vez.
Acho que fiquei algo amargo também, depois da conversa. Chico transbordava fel e veneno. Entendi que ele procurava um culpado, eu não era culpado, o governo não é culpado. Acidentes acontecem, todos os dias, todas as horas, uns morrem outros sobrevivem.
E explicar, é puro blá-blá-blá. Escolha uma explicação qualquer, aceite-a de coração e siga sua vida em paz.
Por um momento, minha mente viajou ao passado. Lembrei quando Chico tinha humor para dar e vender. O cara mais divertido que conheci em minha vida. Tudo era uma piada.Talvez piada demais. Acho que senti saudade do cara antigo que ele era. Possivelmente ele também sentisse. Ele me olha com indignação e diz:
-Tu me olhas assim, por que sou deficiente. Um maldito deficiente!
-Se acalme Chico. E não faça chantagem comigo. Não gosto disso. Tento ajudar, faço o que posso, mas não seja um mau deficiente!
-Eu não disse? Que é puro preconceito. Viu? Você percebeu?
Me calei. Tinha vontade de mandar ele se fuder. Como os poucos que me conhecem, sabem que não discuto nada. Sempre dimensiono a inutilidade de uma discussão. Fiquei com vontade de dar uma porrada nele também. Não gosto de gente que se faz de coitado, de currado, de injustiçado pelo mundo.
Dar uma porrada em um cara sem o braço direito, não seria legal. Talvez um tapa? Para despertar.
Acho que me irritei porque ele não parecia agradecido a nada. Tudo poderia ter sido pior.
Ele ficou me olhando. Entendi que aguardava as minhas desculpas. Sorri disparei:
-Tu ficou um cara muito chato, hein Chico!
-É fácil falar, você não esta na minha pele.
-Não tenho mais nada a dizer. Fiquei aÍ, sentindo pena de si mesmo. Começo a achar que você realmente mereceu a merda toda. Qual o papel que você quer eu faça? O que todos fazem perto de ti? Oh, pobre Chico, pobrezinho fudido Chico, coitado do Chico?
O clima tornara-se insuportável, sentia gosto de bílis na boca. Não me sentia errado. Queria ajudar, mas acho que não consegui, ele tornara-se exigente demais.
A sua esposa, uma mulher muito bonita, vestida em calça muito justa e com uma blusa com um decote amigável, era profundo contraste entre tudo aquilo. Ela estava aborrecida com a minha visita, era melhor ir embora. Fui, mas não antes de olhar bem o decote dela.
Porque saí de casa, pra ver um cara que queria que tudo tivesse em suas mãos, de graça, ele ainda não entendeu, não existe nada de graça. Nada mesmo. Tem vezes nem tetas nos salvam, que merda.

Luis Fabiano.

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