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quinta-feira, dezembro 24, 2009


Natal de André.

Acho mesmo que a vida deveria ser feitas de belezas. Mas não é. Nossa ânsia pelo que é belo, ainda é filha da miséria. Não nos comprazemos.
Lembro do tempo de minha infância,sem saudade,não sou nostálgico. Acho que o momento presente resume sempre o melhor de nossa vida, justamente porque é o único momento real.
Morávamos todos na mesma rua. Amigos de infância, lembro bem. André era o casula da família, eu com treze anos, tinha uma admiração por sua irmã. Achava Viviane a mais bela menina da rua. Também tinha a certeza que jamais ela olharia para mim.
Linda demais pra mim, eu dizia.
Para não passar vergonha entre amigos, nunca contei esta minha paixão por Vivi pra ninguém. Mas no verão daquele ano, Viviane começou a conversar comigo.Estávamos todos na rua, muito calor e correria. Naquele tempo ainda brincávamos na rua até as dez horas da noite. Era muito bom. Algo realmente inocente. Lembro que não dormi a noite.Viviane, tinha conversado comigo.
Me sentia bem.Tinha treze anos e sentia, algo bom dentro de mim, me animava muito. Fomos todos crescendo, tomando nossos rumos e naturalmente nos separando. Viviane seguia linda, lembro que engravidou sem querer de um namorado.Depois engravidou de outro namorado.Depois de outro.Nada de poesia,deixou de ser a linda mulher que conheci. Tinha o semblante cansado, outras tantas dores. Sempre arrastamos um caminhão com uma carga de merda. Levamos para lá, trazemos para cá.
Sim, tinha André. Esse eu nunca mais vi. Mas sua historia é um pouco mais complicada. A família de André mudaram da minha rua.Foram morar em uma vila, chamada Vila Gotuzo. Lugar periférico, com todo o clima de lugar periférico.
Ruas empoeiradas, crianças sujas brincando nas ruas, valetas, tipos com caras hostis, donas de casa barraqueiras. Dificuldade em todos os aspectos. Tinham uma boa casa La, tentaram ser felizes. A felicidade é um estado de espírito, se dentro de si você não é feliz, você não é feliz em lugar algum.
Andre começou a conhecer melhor os derredores, fez amizades. Depois amizades não tão boas assim. E o menino inocente, começou a desfigurar-se. Conheceu de brincadeira a maconha. Droga leve, mas suficiente forte para quem não tem cabeça suficiente. Quem não tem controle de forma alguma, jamais deve se meter com essas porras. O Baseado foi a porta de entrada. Andre passou a gostar de baseado.
Conseguia na rua, com os amigos. Fumava um antes de ir para a escola e outro depois de sair da escola. Até ai tudo era curtição. Baseado o deixava alegre. Era inteligente, porem não suficiente. O tempo foi passando, estava agora com dezoito anos.
O baseado nem fazia mais efeito. Precisa de algo que lhe desse um novo sabor. Considerava-se um bom rapaz. Trabalhava, estudava, não incomodava em casa. Sua família não percebia nada. Escondeu isso ate o ultimo instante.
Passou a cheirar cocaína. Mais agitado, mais nervoso. Mudava de humor, mas ainda sim era um bom menino. Drogas, isso ainda não era um inferno. Sua vida sem sentido, fora trabalhar e estudar, a droga era algo novo.
Tornava tudo mais interessante.Fugia do comum.O comum todo dia é intragável.É preciso ter novo sentido. Algo que dê a vida um gosto diferente. Trabalho, amor, uma obra que coloquemos nosso melhor, que nos envolva, nos encante. Sem isso, sem encanto, sem vida, sem gosto. Sem nada, gosto apenas do comum.
Com a cocaína vieram os problemas. Os amigos agora não tão amigos assim, queria o pagamento da droga. Ele tinha agora necessidade. Pegava coisas dentro de casa, cheirava tudo. E precisava de mais. Mais, mas que porra, onde eu vou conseguir mais?Não era mais bom moço.Viciado,sem sonhos.Nada disso poderia acabar bem.
Cansado disso, decidiu parar com tudo. Numa noite contou tudo a sua família. Todos horrorizados, não sabiam o que dizer, que fazer. Não perceberam que André estava realmente doente.
Com muito esforço, Andre, afastou-se das drogas. Tinha uma vontade incontrolável. Foi levado para uma clinica de desintoxicação. Lá depois de um tempo infernal, conseguiu voltar a sorrir, como o menino que sorria no passado.
Passava o dia na horta, trabalhava muito. Conversava com as psicólogas. Sentia-se renovado Pronto pra voltar ao convívio da sociedade.
Todos estava felizes, Andre voltava do inferno. Salvara-se.
Eu gostaria pessoalmente que minha narrativa acabasse aqui. Mas não.
Um viciado não fica curado nunca. É uma luta cotidiana para não mais fazer uso. É pra vida toda. Claro que Andre não resistiu a tentação das facilidades.
Quando o efeito da droga havia passado, sentia-se horrível, um fracassado da pior espécie. Estava só não havia ninguém ali. Na rua, olhou para os lados, ninguém para dizer uma palavra boa, um abraço nada. Pensava: será que todos morreram?
Seqüelas da droga. Saiu andando a esmo, andava devagar pensamento longe, triste demais. Que diria a seus pais?Fracassara novamente?Todo o seu esforço em vão. Ainda sentia vontade de cheirar novamente. Sentimentos confusos e um vazio interminável. Queria rezar mas não lembrava-se de nenhuma prece.
Aquilo tudo doía demais, era preciso terminar isso o mais rápido possível. Adentrou um mato, denso, havia caminhado muito. Chegou a pé de uma arvore, a maior que viu, subiu como pode. Escolheu um galho forte, o mais forte. Tirou o cinto, fez um nó com muita calma, amarrou no próprio pescoço, pulou.
Andre Foi achado no dia de natal pendurado. A sua arvore de natal, não tinha luzes piscando, estava escura.Sem carta de despedida.


É preciso fugir dos abismos.

Feliz Natal.
Luis Fabiano.

Um comentário:

Razek Seravhat disse...

Se não fosse real eu diria que você é quase um gênio... Mas você pode até ser um gênio, o lamentável é essa história não ser fruto de sua imaginação.

ternura sempre!

Se quiser pode seguir o voo da esperança.