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quarta-feira, junho 12, 2013

Bunda Linda, Olhos Horriveis




Bunda linda e olhos horríveis.

Isso me acontece ás vezes.
Mergulho na noite, e ela me engole. Ou então saio com alguém, e por motivos aleatórios a minha vontade, acabamos nos perdendo por aí. Então volto sozinho, ou com alguma desconhecida pendurada. Num jogo zero a zero comigo mesmo.

Cris me telefona e quer sair. Acha que sou boa companhia. Eu não me acho boa companhia, mas engano bem. Pago o preço. Temos essa parceria informal. Um bom jogo aberto. Faça o que você quiser, e eu também.  Eventualmente fazemos um encontro de intimidades.

Você me satisfaz, eu te satisfaço, trocamos algumas risadas, caricias avulsas e tudo certo. É tudo tão limpo, tão nítido, tão asséptico que chega a dar nojo.
Ela queria manter as emoções distantes. A entendia bem. Feridas frescas. A mulher que ela amava decidiu mudar tudo. Eram amigas, amantes confidentes e tudo mais. Uma poesia feita de confiança e cumplicidade lírica, quase ideológica. Cris se entrega a emoção. A emoção a guia, a emoção a destrói, a emoção lhe coroa.

Custou muito a abrir-se novamente. Queria voar, mas suas asas emocionais se abriam dentro de uma jaula. Tudo era lembrança de Gení. Mesmo quando olhava para mim ou para outra mulher, ou para os restos dela que ficaram pela casa. Cabelos no pente antigo, a caneta sem tinta, a calcinha esquecida.
Aceitei o convite de sair. Nada a perder. Iríamos cumprir o script mais ou menos decorado. Beberíamos algo, então vagaríamos nos bares de Pelotas. Nômades de um deserto escuro, almejando estrelas. Numa noite de terça feira? Como costumo dizer, depois da meia noite pouca coisa pode ser boa. Depois da Avenida e meia dúzia de cervejas, acabamos parando em um pequeno inferno nas proximidades do porto.

O lugar não tinha nome. Não vi escrito. Pessoas sentadas á porta tomavam cerveja. Lá dentro um pequeno grupo tocava uma musica. Num idioma que mais parecia espanhol. Achei aquilo perfeito. Não sabia se eles não cantavam direito, ou eu que não estava escutando bem. Bebida demais creio.
Ali todos estavam muito altos. De tudo e todas as coisas. Misturas. Fomos entrando e sentamos em uma mesa. Cris estava solta. A bebida havia lhe afrouxado o cérebro e outras coisas também.

A parca iluminação do local dava-lhe um aspecto espectral.  Sob tais circunstancias tudo fica parecendo oque não é. O belo se oculta o terrível torna-se brando, os dentes menos afiados.
Pedimos outra cerveja e seguimos a brincadeira. Cris vai ao banheiro. Fico olhando para ver o que pode sobrar para mim. Gosto de todo tipo de refugo. Fico olhando o vazio. Começo achar que não foi uma boa ideia ter saído aquela noite. Cris demora demais no banheiro, alguma coisa estava acontecendo. Fui lá conferir.

No balcão do bar uma mulher. Cinquentona, bebia vodca abandonada. Tinha olhos sombrios e esmeraldinos. Olhos sem luz . Sempre pensei que olhos verdes, deveriam ser lindos, maravilhosos e brilhantes. Não. A vodca pela metade, ela pela metade. Olhei com olhar de vampiro. Ela parecia fácil, parecia entregue a si, poderia entregar-se a mim também.  Vestia preto e tinha cabelos prateados. Quando passei, sorri malicioso. Ela retribuiu.
Quando chego perto do banheiro encontro Cris se amassando com a mulher dos seus sonhos. Como todo idiota previsível, meu primeiro pensamento. Iriamos transar os três. Eu e duas mulheres, noite interessante e perfeita, me animei.

Decidi voltar para mesa e esperar os acontecimentos. Em alguns minutos, Cris volta dizendo que estava indo embora.  Que uma tal de Adriana a iria levar não sei pra onde.
Apenas disse tchau e boa noite?
Que merda. Era preciso ter um plano B. Salvar o resto da minha noite, para noite não tornar-se resto de mim.
Notei que a cinquentona sorria junto ao balcão. Acenei com copo para ela mostrando o lugar vazio. Ela veio rápida, pude olhar o talhe de seu corpo. Uma figura delgada. Usava uma destas calças folgadas demais no corpo. Debaixo daquilo,  tudo era um mistério. Então:

-Sozinho?
-É, agora estou.
-Eu também. Quer dizer, tenho só a vodca aqui.
-Acho que deveríamos juntar nossas solidões.

Ela sorri. Nunca foi tão fácil. Gosto de coisas descomplicadas. Ela não queria ouvir histórias eu tão pouco conta-las. Se tivesse que fazer o conto da carochinha para leva-la para cama, certamente eu iria embora só. Como sempre.

Fiz um carinho no seu rosto, entre os cabelos e a beijei nos lábios, suavemente. De perto seus olhos eram sem vida.. Mas não iria investigar nada. Não hoje. Tudo que se tem é o momento presente, sua intensidade, sua gloria, seu desastre. Quando remexemos o interior do ser humano, muita coisa vem a tona. Mas viria a tona em uma madrugada de terça-feira? Não.

Terminou a vodca e fomos para o motel sem escalas. Ela despia-se com graça. Devagar e bêbada.  A pele muito branca, lembrava a neve diluindo-se.
Quando peguei a bunda, era de mármore de Carrara, gelada e branca. O inverno de nossas vidas. Sua melhor qualidade. Melhor de tudo que eu tinha.

Nos abraçamos usufruindo um do outro. Não sabia nem seu nome. E ainda bem que perguntei quando estávamos nos vestindo para ir embora. Ela tinha o nome de minha vó. Georgina? Nossa. Transei com a minha vó. Bom, agora já tinha. Em um ultimo relance ela me olha de lado. Aqueles olhos apagados eram nada perto daquela bunda linda. As vezes é assim. As pessoas têm corpos mais lindos que suas almas. É tudo que se pode ver.

Luís Fabiano




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