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segunda-feira, junho 25, 2012




A Cafetina

As linhas mestras de uma sociedade, são norteadas pelos desvios primitivos da alma humana. Um espelho informal de nossas sombras projetadas explicitamente a margem da vida. Inescapável e natural. Precisa-se de um pecador inveterado... para que redenção possa ser vendida, para que tenhamos do que nos arrepender, nos afogar em um mar de culpa licenciosa depois, a guisa de um bem realizado. É um jogo com você mesmo.


A diferença que tais valores vis... estão devidamente camuflados no âmbito social, as vezes nem tanto. E para que a coisa funcione como uma engrenagem ensebada do certo e do errado aplica-se a isso um certo grau de censura informal.


 Aqueles que se apegam a isso como a tabua de salvação, não demoram a se decepcionar. Não há santos... ou tão pouco decaídos eternos, existe um pendulo maldito que nos transporta ora ao céu, ora ao inferno ao sabor de nossas emoções.


Juliete é um destes expoentes sociais. Ex puta inveterada, fumante viciada, alcoólatra castigada e feliz nos melhores dias. Os desvios eram-lhe uma virtude real, sem eufemismos mutantes de uma verdade hedionda. Eis o grande mérito. A beleza insana encena sua peça, retorcendo a bizarrice em flores de primavera.


Conheci Juliete há muito tempo, quando atendia nos quartos do puteiro... fazia quinze programas por dia. Uma maratonista de picas incandescentes. Depois passou a administradora. Eu conheci seu estabelecimento por meio de amigos que iam lá... beber uma cerveja... e colocar as mulheres em seus colos entre risadas galhofeiras e bebidas, uma boa maneira de relaxar a vida. Uns rezam, outros meditam e a grande maioria não faz merda alguma, apenas vive.


Tenho isso pra mim. Vivo a porra da vida com total intensidade, a paixão, o tesão, a vontade visceral, faz com que arranque do trivial algo que preste. Só desejo isso, viver e de vez em quando foder...


O tempo é um lagarto terrível passando... e hoje Juliete não é mais o que era. E creio caro leitor, que a historia começa. Como uma atriz acabada, envelhecida e abandonada por tantos que deu força e fudeu também, era uma espécie de móvel no sótão...


Fui visita-la no asilo, quando soube de sua condição. Não porque eu tenha uma alma maravilhosa. Nada disso. Sou um filho da puta consciente, ligo o filha da putômetro no máximo e vou viver... ela pela sua experiência vasta e vivencias intensa, tem muitas coisas a dizer, e que coisas... inúmeras historias... é isso...


A encontro sentada num banco próximo ao jardim se flores. Fico observando de longe, como se olham peixes em um aquário. Não sei se lembraria de mim. Na verdade eu também não sabia exatamente o que estava fazendo ali... no horário de visitas. 


Realmente Juliete não era mais a mesma mulher. Pesada, sorriso apagado, olhos olhando o vazio... procurando talvez em tal vazio, uma resposta... bem você sabe como é...  a melancolia busca nas dobras da memória respostas impossíveis. Porra... lembrei-me da primeira vez eu a vi.


Uma mulher rápida... sorridente, forte, decidida extremamente bem arrumada cabelos com um viço... nos dedos sempre pendendo um cigarro eterno.
Não tenho como não pensar: envelhecer é uma merda. 
Tentava decidir que se falaria com ela. Sou assim, preciso sentir o momento, as coisas falam nos símbolos recolhidos no éter. Resolvi falar. Aproximei-me:


-Salve Juliete... tudo em paz?
-Quem é você...? De onde vem? É deste mundo?
Olhos vendo o vazio... não me via.
-Juliete... sou eu Fabiano... lembra, eu ia na tua casa... somos amigos... 
bebíamos juntos... tu sentavas no meu colo...


Ela ficou em silencio. A memoria é um buraco de minhoca... por onde escorre as emoções.


-Fabiano? É isso Fabiano?
-Sim Juliete... o que te beijava na boca... na saída... e dizias que um dia casarias comigo...


Algo acontece, seus olhos se enchem de lagrimas... todos temos pontos que atingem a alma... boas memorias, péssimas memorias acho que havia esbarrado em um:


-Sim... sim, eu lembro... Fabiano... é tu? Tu voltaste pra mim... onde tu estavas?
-Coisas do tempo Ju... a gente faz muitas coisas... e algumas se desencontram pelo caminho... mas estou aqui... feliz de te ver...
-Fabiano... Fabiano... como tu me achaste aqui?
-Conheço muita gente... e tu conheces muita gente... me disseram...


Ela oscilava entre a realidade e fantasia. Um fantasma de si mesmo habitando sombras. Uma conversa insana entre os fios de uma logica desequilibrada.


-Fabiano... Fabiano... Fabiano... e o meu filho? Eu tive um filho né? Onde tá meu filhinho...?
-Ju... não sei onde está... nem sei se esta na cidade... faz um tempo que...
-Eu lembro dele... Fabiano... lembro, ele queria ser astronauta... ele ficava na minha volta apontando para o céu... o pai nunca veio ver... Fabiano tu traz meu filho aqui... ele precisa mamar, minhas tetas estão cheias de leite, trás ele pra mim...


Detesto roubar esperanças de alguém, a crueldade das crueldades. Somos assim, nos agarramos o ao que nos faz bem, e que entendemos nós da realidade? Assim como amores do passado que esperamos, a vinda do Messias pra alguns, Deus baixando a Terra para romper com a dor da humanidade...? Um dia de sol, amanha? Sim, esperanças que alimentam a chama, a verdade despida entrelaçada em nossa vida. É uma coisa  boa.


-Ju, eu vou procura-lo sim... mas ele virá depois, tenho certeza, tu sabes como é... astronautas são ocupados, são muitas estrelas no céu...


Ela sorriu pela primeira vez, depois tornou a fica em silencio. Dentro de mim, como os rastros do impossível, desejei rever aquela mulher que conheci, realmente viver é foda, e uma coisa eu digo, não há tempo a perder. Viva essa porra de vida, com amor e fúria, arranque dos dias modorrentos o tesão de fazer algo que goste muito... esse é o encanto.


Nisso a enfermeira veio até nós, dizendo que o sol estava indo, era preciso entrar para o quarto, o frio chega rápido.
A abracei e fui saindo devagar, o tempo havia se distorcido, fiquei cerca de uma hora com ela. Ela dizia pra enfermeira:


-É meu marido ele... veio me ver sabe, é saudade... é saudade... e eu nem estava com o meu vestido novo... o vestido da lua de mel... ele gosta...


Ela gostava de vestidos soltos e decotados, lembro, coisas que são traços marcantes de uma alma. Tentava saber se minha visita havia sido boa pra ela... puta merda, será? Nunca sei a resposta. Só deus sabe.


Quando saia a porta, olhei a noite caindo, horas, dias, semanas, meses e anos... estão enfiados no agora.


Dirigi-me ao Pássaro Azul... o outro lado da moeda, uma putinha nova sorria fácil... bem mas ai começa uma outra historia...

Luís Fabiano.


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