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quarta-feira, maio 30, 2012



Ontem cauterizado - Amanha um tiro no escuro

Por vezes somos levados pelo destino. Uma espécie de engrenagem girando visceral e implacavelmente, atropelando seja o que for. Um visgo natural nos atrelando uns aos outros, a causa e o efeito de nossas emoções mais densas, mais intensas...


O galope maldito havia me pego desta vez. Por vezes penso assim: mas não é uma vingança de Deus e seus comparsas. Não considero isso, nunca tomo nada por pessoal, tenho uma passionalidade ausente. De um modo geral, tudo deriva de nossa ignorância...


Mas as lembranças por vezes são açoites em minhas costas. Em tais horas ficamos perguntando: onde fica o botão liga e desliga da merda existencial?
Para escapar do pior tentei relaxar. Quando se é devorado, é preciso anestesiar a vida. Creio ser isso que passamos fazendo o tempo todo. Anestesiar o pior... tudo ajuda, sexo, drogas, bebidas e companhias boas ou más...


Já que estava na casa de Flora deixei assim mesmo. Foda-se. Ela parecia a vontade e eu com vontade. Ela talvez fosse minha “cocaine”. Entreguei meu pau a ela, ela fazia um trabalho primoroso, sugando devagar e continuamente, a devoradora das picas aladas. Porra quantas piças haviam passado por aquela boca? 


Deus coloca as pessoas certas fazendo certas coisas... Deus só? Tudo bem, vamos equilibrar a merda do jogo: o outro cara também coloca suas pessoas certas em certos lugares.


Depois que ela mamou a vontade, tirando a ultima gota de leite quente, sentamos para conversar, quase como um humano. Ela percebeu minha distancia estelar... tentava me trazer de volta... que porra...  por vezes boa vontade e atenção inúteis.


-Fabiano... que há? Cara... eu to aqui... pelada na tua frente...hein... Fabiano...


A voz dela era insuportável. Uma ofensa ao silencio da madrugada. Tive vontade de tapar boca dela com uma bola de beisebol: tente engolir isso sua vaca... mas fiquei na minha. Eu era uma escavadeira revolvendo a merda.


Deixei uma lagrima escorrer no canto do olho. Uma poesia triste, emotiva... como um adeus no cais do porto, a porta que bate deixando para trás todo o passado, o ser amado que se vai.


Ficamos em silencio, uma navalha silenciosa rasgando a alma. Não sei esconder as coisas. Melhor, prefiro não esconder as coisas, minha verdade é um berro numa catedral, me sinto em paz assim, ainda que de certa forma eu foda a vida dos outros.


Sempre existe uma vitima, uma dor, alguém machucado, é a vida, mas a natureza parece não se importar com isso. Como quem diz: Ei seu pequeno filho da puta... cresça... torne-se gente.
Olhei bem pra ela e disparei:


-Flor, é o seguinte, eu tava caminhando no calçadão... detesto o calçadão... mas decidi caminhar por ali... e então me deparei com uma pequena menininha, criança, brincava no chão, quando parei para olhar uns caras fazendo malabares. Parei ao lado dela. E então como um acaso afiado, ela me puxo a barra da calça, e eu olhei para baixo. Sorri pra ela... ela me ofereceu o seu ursinho de pelúcia sorridente... eu achei ela linda, segurei o ursinho me abaixando, então ela disse simplesmente: papai é pra você, papai.
Na hora meu coração disparou, chorei por lembranças que acordaram. Então a mãezinha dela sorriu e disse: ela chama todos de papai... o pai dela infelizmente faleceu. Eu lamentei, acariciei o ursinho entreguei a ela e fui embora.
Porem não tinha como escapar. Eu lembrava de meus filhos mortos naturalmente. Filhos que não pude ver sorrir pra mim, ou mesmo ouvir dizer: é pra você papai. Abortos expontaneos, que ocorreram por problemas das mulheres que me envolvi... lembro que uma dela chegou ao oitavo mês... e então a criança morreu dentro dela. Eu perguntava por quê? Mas nenhuma explicação técnica medica era capaz de me consolar... por quê? Tudo era uma ausência.


Flora me olhava num misto de pena, susto e dor. Detesto provocar isso nas pessoas, sou um tipo duro, gosto de ser assim. Seguro as minhas merdas com a minha solidão, em silencio para não importunar a ninguém. Ficamos um longo tempo quietos.


Precisa de uma bebida. Graças ao bom Deus ela havia comprado uma garrafa de rum dourado. Levantei e peguei a garrafa e dei um longo gole no bico.
Ela permanecia em silencio. O rum desceu como um anestésico bendito, para o corpo e alma. Depois de meia garrafa o mundo havia voltado para o lugar, como uma prece.


Eu estava convencido que Deus havia mandado o álcool para Terra como um messias, assim como Buda, Cristo e outros caras bacanas que tiveram por aqui... que porra então, cada um tem o messias que merece.


Fiquei mais um tempo e sai vazado... chegava daquilo tudo. Entrei no kadett dirigindo devagar por uma Pelotas que dormia o sono dos justos, acho que eu deveria ir dormir também...

Luís Fabiano.

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