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quarta-feira, março 07, 2012


Rei das Bucetas


Normalmente não me interesso em escrever sobre outras pessoas. Limito-me a mim. Prefiro assim, vil em primeira pessoa, maldito, irônico quase maldoso. Texto incisivo, por vezes dolorido, com uma ponta de humor, onde minha sanidade lança suas ancoras. E minhas vivencias são apelos nadando no terror... e respirando um pouco de céu.

Mas como uma longa tentação modorrenta, uma mosca zanzando próximo a teia, eu me deixo levar pelas circunstancias. Termina que a tentação vence a virtude, como a agua perfura e afia ao longo do tempo as rochas, Rei é o cara.

Naturalmente em uma conversa de bar, nossa igreja, templo, mesquita e terreiro, bafejados de álcool, boa cachaça, suor e um esgoto a céu aberto ao lado, trocamos algumas ideias a respeito de expor suas historias... ao menos as que sei.

Como um pacto mafioso feito de sangue e cuspe, combinamos de trocar historias, verdadeiras... boas e más... todas elas, sem censura, saúde e insanidade ao mesmo tempo. Ele diz:

-Nada é de graça na porra deste mundo, velado de sombras... uma mão se estende no silencio vazio... alguém paga... alguém recebe... sempre.
-Ok Rei... e o que vai ser?
-Simples como a verdade malandro... conto-te minhas merdas... tu contas tuas merdas... taco a taco... e outra, nada de nomes... sou o Rei... nada de falar dos nomes verdadeiros das minhas vagabundas... ok?
-Qual é Rei? Quantas condições... Quer fazer terapia de graça? Vais ao SUS... quanto aos nomes tudo bem...
-Boa... eu sou o Rei das Bucetas cara... já comi mais de mil... sou Casanova dos tempos novos, Dom Juan das eras... sou o desespero orgástico, o fausto da foda... El Rei das Bucetas cara... sei pelo suspiro dela... o quanto é capaz de viajar pelos espaços... e chorar em um gozo... o parto do seu próprio prazer...

Confesso que tais colocações, acordaram-me do marasmo existencial. Custo achar gente de verdade por aí. Em sua grande maioria, são massas imitando massas... a espera de imitar outras... falam demais... pouco fazem... não gosto deste tipo... mas aquele cara era ousado pra caralho, aquele cara... abusado, falava bem... tinha atitude... para quem quiser ver...

Não foram poucas vezes que as mulheres vinham a sua mesa, em pleno Pássaro Azul... querendo falar com ele mais intimamente... ele as beijava... acariciava o rosto ou a bunda... e saía... Tem todas as idades... moças de vinte... mulheres mais experientes... senhoras de bengala... pernetas... arrastando um trem de xoxota pra dar para El Rei.

Eu o conheci em minhas andanças pela noite de Pelotas. Estava sempre presente nos piores bares, em alguns poucos melhores, frequento todos os tipos. O tempo fez o resto. Ficamos amigos.

Tais encontros inesperados, nos tornaram brothers de uma cumplicidade marginal... silenciosa e distante. Um dia, em um bar no final da Fernando Osório... próximo a um conhecido puteiro da cidade. Éramos estrangeiros naquela região... nestas circunstancias é bom ver alguém conhecido, se tem uma chance de sair vivo as vezes...

E foi naquele dia que começamos a conversar. Havia hostilidade no local... os caras estavam putos, achando que viéramos roubar as mulheres deles... nossa e que mulheres, do pior tipo... detonadas como a vida... barraqueira, sujas, bêbadas com cheiro de suor... natural da vida... longe de uma beleza que encontra padrões finos... justamente os tipos que gosto. Compatíveis com aquele “butecão” do fim dos tempos. Repleto de teias de aranha, paredes encardidas... um balcão com a formica lascada... uma cerveja que eu detestava ao menos gelada, eis o tipo de salvação possível nesta vida:

-Então cara... que estamos fazendo neste fim de mundo- pergunto eu...
-É... clima tenso, sei não, mas acho que deveríamos sair daqui...to com mau pressentimento...
-Sem comer ninguém?

Rei gargalha alto... chamando muito atenção.

-Fabiano... qual é cara... os caras querem a nossa cabeça...tão com sangue nos olhos... tu és maluco...

Tenho raros momentos de coragem ousada... ou burrice disfarçada, mas depois de beber um pouco tenho disposição pra muita coisa... se acho que vale a pena... perco o controle...quebro copos, engrosso com quem for... foda-se.

-Rei... aquela vesguinha do canto, tu viu? Faltando uns dentes tá te olhando cara... boas tetas... e pernas direitas... são promessas da esperança... hein...
-Fabiano... termina essa merda e “vamo” embora... vai por mim... a vesguinha fica pra outro dia... hoje não é umas...
-Ok.

Terminamos a cerveja, pagamos e fomos em direção porta... olho a porra do relógio... são duas da manha. Alguém no fundo do bar berra:

-E não voltem mais aqui... seus bostas...

Deixamos assim.
Voltamos pra cidade... fomos aportar no bom e velho Pássaro Azul, que vomitava porta a fora as pessoas... calor... muito calor, inferno na terra. Agora sentados em uma mesa de verdade:

-E porque Rei das Bucetas ?
-Rei das Bucetas cara. Eu amo a mulher que estiver. Por que sei ler o corpo da mulher... por que dou amor verdadeiro... porque a levo ao gozo... pelo sentimento e pelo tesão... eu liberto qualquer mulher... porque vou além do sexo... eu amo a trepada que dou e as mulheres percebem isso... sou o ópio delas.
-Sei...

Nisso chega uma mulher com fortes traços masculinos... com tetas enormes, cabelo curto e preto, pele muito branca, senta-se e fica conversando com Rei... me ignora completamente... tratei de ficar na minha... tinha tido aventura suficiente por uma noite. Hoje nada de machorras no cio... ou putas aladas do céu.
A noite estava linda... estrelas entoavam seu hino... um calor do inferno aquecia o corpo e alma...
Deixei Rei e sua sapata para trás... apaguei quando cheguei no quinto andar.


Luís Fabiano.

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