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domingo, agosto 14, 2011




Pai entre esparadrapos


Calma... agora calma. Destas palavras eu lembro de dizer.

Respiro profundamente, respiração aspirando vida, aspirando anseios, um breve olhar olhando a abóboda celeste, singrando olhares para o infindo... não sei como dizer melhor, mas no meu silencio brilha uma navalha riscando um córrego. Beleza dolorida, uma paz parida das entranhas, com todas as implicações do parto... o medo... a esperança... o choro. Passou.

Ela não estava nada bem, seu semblante apagado de quatro aninhos, uma cantiga de ninar que não entoava, e eu ali uma pena errante ao vento. Ela estava doente, destas doenças misteriosas que os médicos não sabem dizer de primeira. Não gosto destes mistérios que atingem crianças em cheio. Lembro que não ver seu sorriso foi uma das coisas mais infelizes que vi em minha vida.

A mãe de Lis, um posso de preocupações, naquele instante eu estava ali, fiz o que pude, tudo que queria era ver aquele sorriso novamente. Confesso que não entendia muito bem a minha posição, um pai de empréstimo, eu não era marido ou o pai, mas aquela convivência de brincadeiras, a mãe, Lis e eu, entraram em mim como traumas outros que carrego, por estes milagres da emoção, as pontes que estendem a outra margem, nos tornamos informalmente uma família.

Na outra ponta da ponte, entre as nevoas da memória estava a falta de meu próprio pai. Aquela noite que levei Lis ao hospital, um hospital que gemia alto em uma noite sem fim, onde todas duvidas cravavam meu cérebro e a incerteza de traze-la para casa sã e salva.

E mais uma vez a memória brincando de esconde-esconde com minhas emoções. Naquele mesmo hospital anos antes, numa noite semelhante aquela eu levava meu pai... e não o veria mais com vida. Se eu encontrasse Deus aquela mesma noite, eu certamente iria nega-lo todas as vezes e faria o pior. Enquanto minhas esperanças escapavam por debaixo da porta.

Neste interim, o pai biológico de Lis, surge, um vulcão em erupção em meio a turba dos doentes. Eu estava ao lado de Lis e de sua mãe. Segurava-lhe as pequenas mãos, talvez como preces silenciosas para que tudo terminasse bem... Deus...por favor Deus...me leve, me fira, me mate mas não ela, deixa eu ver o seu sorriso novamente. Meu coração batia fora de mim.
Minhas lagrimas caiam suaves e quietas.

Nestor o pai, chegou me empurrando, me derrubando da cadeira. Tinhamos um problema, ele era um pai ausente com crises de consciência, a filha o rejeitava, a mulher o rejeitava e eu era uma pedra em meio a isso, um culpado por eleição. Não esbocei reação alguma. Realmente não importava as diferenças agora. Entendi-o quando o vi dizendo:

-Minha filha, minha filhinha...minhas filha...minha...

Achei que era demais ali. Eu não podia brigar com a biologia, quando me questionaram se Lis era minha filha, queria dizer que sim...mas Nestor saiu na frente e disse que era o pai. A mãe de Lis não tinha forças pra brigar naquela hora por nada.
Quando o atendente do plantão mandou eu me retirar, pois apenas um familiar poderia ficar com a menina.

Sai a frente do hospital, a noite densa de um céu carregado, desenhava no firmamento o meu estado de espirito. E Nestor volta a carga:

-Ela é minha filha, ouviu bem ? Minha filha.
-Tudo bem - foi só que eu consegui dizer.

Fui embora para minha casa, e a noite foi difícil. O sono fugia de mim, meu coração batia descompassado. Dormi pesado.

Pela manha, muito cedo o telefone toca. A memória novamente apresentado sua faceta pior, a tortura oprimindo o pensamento, esmagando-me contra minha vontade. Naquele domingo de agosto naquele horário eu recebia a noticia que deveria ir ao hospital pois meu pai, havia partido.

Agora só faltava... atendi o telefone, a voz de fina de Lis me atingiu direto no coração... e num fluxo incontrolável meus olhos se inundaram, a opressão saia de mim, o pássaro ganhando alturas batendo suas asas o mais forte possível. Ela diz:

-Papai, vem me buscar...
-Claro que vou, já to indo...

A mãe de Liz pega o telefone e diz que tudo estava bem, que ela estava liberada pelo medico. Fui pega-las. Quando estava entrando no hospital, minhas esperanças se renovaram, o dia brilhava e mesmo aquele cheiro hospitalar característico não me incomodou.

Minha memoria o peixe espada espetando minha alma, fluxo e refluxo de alegrias e dores, lembrei da ultima vez que vi meu pai em vida. Que brinquei com ele na UTI, entre tubos diversos de suporte a vida, com a possibilidade que ele tinha naquele momento, ele sorriu. Essa foi a imagem que fiquei dele.

Sou interrompido, por um grito: papai... papai... era Lis querendo ir para meu colo. E apesar do seus quatro anos, ela abraçou forte meu pescoço e dentro de mim, tudo o que podia fazer, olhando para o céu daquela manha, era agradecer.

Sabem, ás vezes tudo funciona mesmo. A musica toca até o fim, as notas casam e o silencio que fica, acaricia a alma. Eu me senti acariciado, minhas esperanças arderam como uma floresta em chamas.



Luís Fabiano.

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