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quarta-feira, julho 20, 2011



Epitáfios do Silêncio

Quando mais jovem gostava de ir aos cemitérios. Diga-se de passagem, nunca tive problemas com a morte, nunca a considerei um acontecimento horrível, temível ou um pesadelo sem fim, como a grande maioria das pessoas fazem o gênero. Sempre achei natural, tão natural como nascer, um dia você esta, no outro dia você vai embora. Sou assim não por ser profundamente “insano” tudo bem, isso ajuda um pouco, mas não é só isso.

Minhas convicções me deixam sereno, a morte não é aniquilação. Então fique tranquilo, hoje mesmo ou amanha você vai morrer, relaxe e de um beijo na boca da morte, essa vadia safadinha, que tem sempre um bom motivo pra te levar. A morte é uma amante fiel, pode demorar, mas essa puta chega.

Eu ia com um grande amigo ao cemitério, eu tinha por volta dezesseis ou dezessete anos, íamos olhar as sepulturas, as lapides, os nomes daqueles que já se foram e ler epitáfios. Alias epitáfio é a ultima ironia da vida, as pessoas colocam qualquer merda lá para que outros saibam que ela era uma pessoa de valor, puta merda, até na hora da morte pensamos na aparência.

Não foram poucas vezes que eu e Edu, rimos dos nomes mais velhos, fazendo suposições a respeito de suas mortes, como alguém com nome Astolfo, Epaminondas, Pafúncio e etc... como essas morrem? Certamente de desgosto. Riamos muito, o contrário de todos que vão ao cemitério, levando consigo as lembranças pesadas, as amarguras de um tempo que se passou, alias tempo que jamais volta, outros tempos virão, mas o que foi, se foi.

Um dia acompanhamos um enterro de verdade. Já tínhamos visto de longe vários, mas aquele nos juntamos ao corteja para velar, e depois seguimos o féretro até onde aquela defunta ficaria engavetada. E aqui a morte mais uma vez fez uma ironia. Quando fomos olhar a cara da defunta, senti algo que viria a marcar meu coração.

A defunta era jovem, talvez trinta anos, era absolutamente linda. Mesmo morta, sua beleza era encantadora, cabelos pretos longos, a pele lisa e pálida, a boca ligeiramente pintada, e com vestido escuro era possível ver os fartos seios. Mágico. Aquilo era muito bonito, o conjunto de tudo era notável, o cheiro das velas queimando, as mosquinhas que acompanham o cadáver, o entardecer triste, o dia que se despede, a noite, o sono profundo, o apagar das velas, dormir.

Quando chegamos a beira do caixão, fizemos o sinal da cruz, naturalmente as pessoas nos olhavam, não éramos conhecidos, mas nestas ocasiões ninguém costuma dizer nada, afinal estão preocupados demais com a falta que a pessoa irá fazer, preocupados demais com a própria dor egoística.

Mas devo confessar, aquela morta era um tesão. Fiquei olhando um pouco nos olhos fechados, ela parecia tão serena, aquilo não poderia ser tão ruim. Impulsivamente tive vontade de beijar seus lábios, talvez come-la, mas fiquei onde estava. Depois acompanhamos o enterro onde havia muitas pessoas, até a parede final foi fechada.

Voltamos ao cemitério algumas vezes, sempre íamos visita a Rosa, criamos um vinculo de morte ou vida com ela, por sua beleza, por suas palavras não ditas, sua historia desconhecida, por uma distancia que a distancia não mede, de alguma forma ela havia nos cativado e aprendi que tais emoções são vivas, as emoções que o encantamento permeia vivificam mesmo a morte, um coração que para de bater, o sangue que deixa as veias, as palavras que se tornam silencio, nada significam o que fica é o brilho da vida das coisas reais que fazemos.

O tempo passou e deixei de ir ao cemitério, o Edu se formou e foi para o Paraná, perdemos contato, coisas que vão ficando pelo caminho, o nosso rastro de lesma, os cheiros da infância, as expressões magnificas que não vemos mais.

Quando voltei ao cemitério, foi pra enterrar meu pai, muito tempo havia se passado então, mas o que senti e sinto é uma tranquilidade muito grande, a vida de cada um, é sua trajetória, somos cometas riscando o céu em uma madrugada a espera do porto seguro. Meu pai havia adoecido, e as coisas se complicaram e a morte foi o resultado.

Sentia-me em paz, havíamos feito tudo para o melhor dele, então o resto havia ficado com a Divindade, afinal de contas, no fim das contas quem resolve é Ele.

Neste dia antes de sair, dei um jeito e visitei a Rosa, o túmulo dela estava meio abandonado, não havia flores, nem velas. Roubei uma flor de um túmulo e coloquei no dela, e acho que sorri meio sem graça e fui, desejando que ela ficasse em paz.

Em paralelo a este ocorrido, uma das minhas mulheres estava gravida, isso era bom, afinal Deus não era tão mau assim. Sei que Ele gosta de compensações, você faz uma coisa errada, mas se fizer algo legal pra alguém, ele limpa sua “ficha”. Bom esse cara.

Nunca me achei um cara legal, sempre fui meio doidão, então as vezes entrava em choque com Ele, e o maldizia, dizia alguns palavrões, mas nada definitivo, sou assim, nada é definitivo, tudo é o que a vida soprar, o que for melhor não a mim, mas a existência.

Quando sai do cemitério de mãos com minha mulher, mãe e irmã, embora houvesse um vazio, a barriga dela era uma esperança, um novo recomeçar... o pólen, a primavera da vida reproduzindo a vida.
Mas não.
Meu filho não nasceu, por estas fatalidades da vida, tive que enterra-lo também. Mais uma vez ao cemitério. Não me senti injustiçado, triste sim, mas minhas convicções me sustentavam e sustentam, de alguma forma minhas esperanças se inflamam e sei que tudo tem seu porque, e quando em encontrar com Criador, certamente eu perguntarei...

Dias atrás voltei o cemitério, matar saudades, talvez do Edu, do meu pai, da Rosa e meu filho, neste ultimo sentei em frente e fiquei olhando tumulo, enquanto dentro de mim algo fazia meu coração descompassar, a imaginação ganha asas e desenhos possíveis surgem na tela e se... e se...e se.



Luís Fabiano.

Um comentário:

Dóris disse...

Sabe, não tenho problemas com cemitérios...mas há alguns dias atrás minha avó faleceu, ou melhor, conseguiu a PAZ, não fui no funeral dela, porque para mim o que importa é o amor que tenho por ela e as boas lembranças.