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quarta-feira, junho 15, 2011


Pontes suspensas do destino


Difícil começar uma narrativa que tem por pano de fundo, malabares com cacos de vidro. Minhas mãos desnudas, jogando-os para cima e pegando firmemente, enquanto os cortes vão se sucedendo, o sangue misturando-se ao show, você se deleita, em risos, pipoca. Sempre entendi assim a vida, a felicidade de um, é sempre a ruina de outro, ainda que este outro seja totalmente desconhecido. Neste aspecto não há nada que possamos fazer. Tudo tem um preço, e muitas vezes estamos dispostos a pagar.

Mesmo que objetivamente consciente não pensemos assim, o último pensamento é: eu estou bem, portanto foda-se o mundo. Você escova os dentes, verdadeiros ou falsos e vai dormir feliz.

Naqueles dias eu poderia dizer que estava bem, foi no período do meu primeiro casamento. Meu coração ainda pulsava, uma inocência feita de estupidez e ignorância, a respeito do mundo que me cercava. Creio, nada ser pior que isso. Alimentava ilusões medíocres de felicidade eterna, que os ventos da existência não devastassem, as tenras plantas de meus sonhos.

Eu não podia esperar muito mesmo, quando decidi casar aos dezenove anos, desconhecendo quase tudo a minha volta, mesclando desejos e tesão com emoções, confundi-los e chamar de qualquer coisa, que o coração quisesse sentir. Uma dose de amor hormonal...

Não posso reclamar, foi um bom casamento. Como a maioria das mulheres que tive e tenho, a minha esposa fazia tudo pra mim. Era um dossel de agradinhos, e por alguns meses fomos relativamente felizes.

A vida fluía como uma bola, rolando daqui para lá, sem que nada de mais significativo acontecesse. Gostaria de deixar exposto, que gostava muito de minha ex-esposa. Mas este gostar era feito daquilo que desconhecia de mim mesmo, da maneira como penso a vida, um sentimento sem as cauterizações das dores, que vim a sentir depois. Sem as dores estarem devidamente cauterizadas, é impossível sentir algo purificado, as emoções serão uma mescla das dores, das necessidades e dos medos.

Então a vida começou a manifestar suas fissuras. Nesta época Joana era muito religiosa. Isso não me incomodava, apenas não gostava de discursos moralistas que eventualmente fazia. Sempre entendi que o ser humano precisa ser ético, moralista, aí pra mim começam os defeitos. Uns rezam, outros bebem, outros se drogam, outros meditam, cada faz aquilo que precisa, e não creio que o Divino prefira uns que outros.

No templo que Joana frequentava, fez amizade com uma mulher chamada Mara. Uma amizade relativamente promissora e sem segundas intenções. Mara era educada e gentil ao extremo. Dava-nos carona para voltar para os arrabaldes da cidade, onde construíramos o ninho de amor. Era bom, não precisavamos pegar dois ônibus demorados. Aquele hábito terminou por estreitar nossas convivências.

Mara passou a frequentar nossa casa e nos a dela. Mara uma mulher solteira, morava só, usava um cabelo curto e muito preto, seios fartos e era ligeiramente gordinha, uma pele muito branca como a neve, um olhar constantemente maternal, formava um conjunto que lhe dava mais ares angelicais, que uma mulher simplesmente, num sorriso tímido.

Eu acreditava que tudo era assim tão simples. Essa intimidade toda, fez que Mara passasse a saber também dos problemas que eu e Joana tínhamos. Joana foi se revelando uma mulher extremamente insegura, ao longo dos meses que se passaram. Passou a exercer um controle profundo sobre mim. Em primeiro momento achei de certa forma um charme. Um charme ser cativo, um charme ser controlado, um charme de cachorro castrado, charme feito de preocupações descabidas, um charme beirando a insanidade.

Por fim, o charme converteu-se em garrote asfixiando-me. Não podia dar um passo sem que ela soubesse. Sentia-me morrendo em vida. Se me atrasasse três minutos precisava explicar minunciosamente o que havia acontecido...

Passei a me sentir mal. Deixe-me arrastar por isso, minha saúde passou a ser precária, meu coração estava constantemente apertado, e hemorroidas expostas, estava somatizando tudo, uma vez que nesta época, eu era absolutamente vegetariano.

Mara assistia tudo isso em off. E até aquele momento nossa melhor amiga, não disse nem um ai. Era uma múmia egípcia, uma motorista mumificada, mas percebia-se que ela ficava incomodada pelas perguntas de Joana.

Isso quer dizer, hoje percebo isso, na época estava atribulado demais, tentando fazer Joana se acalmar, e esquecer as besteiras. Ela falava tanto que tinha vontade de dar uma porrada. Não existia a lei Maria da Penha, perdi a oportunidade. Talvez tivesse salvado o casamento e Joana aprendesse a ser mais ela. Infelizmente, bem mais tarde vim a aprender, mulheres que sabem apanhar em certas circunstancias, se tornam mais seguras. Mas isso é outro assunto, que narrarei com mais dedicação plena.

Então como uma novela mexicana, as coisas tomaram inesperado caminho. Um dia o telefone do hospital que trabalhava, toca e era pra mim. Para minha surpresa, era Mara. A estranheza realmente me tocou. Eu era totalmente imbecil:

-Fabiano?
-Olá Mara, tudo bom?
-Sim querido, tu podes falar comigo?
-Claro, diga o que houve?
-Não, não, por aqui não, precisava que fosse pessoalmente...
-Sim eu saio as dezoito horas...
-Então assim, eu te pego aí e te dou uma carona, que tal?
-Tá ótimo.

Desliguei o telefone com uma pulga atrás da orelha. Relaxei Mara era da confiança plena de Joana. Quando deram dezoito horas, Mara já me esperava. Entrei no carro, nos cumprimentamos e ela me abraçou ternamente. Um bom abraço. Ela foi guiando lentamente, então disse gostaria de parar para dizer-me algo. Aquele dia seu decote dela era prodigioso, tetas maravilhosas.

Encostou o carro foi direta, e foi como uma incisão sem anestesia:

-Fabiano, eu não quero me intrometer, acho que tu e a Joana devem resolver seus problemas. Mas eu gosto de ti, e estou com um projeto que quero levar a frente.
-Projeto?
-É Fabiano, eu quero ser mãe, eu sempre quis ser mãe. Eu conheci muitos homens, mas infelizmente eu nunca confiei em ninguém, e também não queria que fosse qualquer homem.
-Legal Mara, ser mãe é o projeto de qualquer mulher...
-Sim Fabiano, mas eu queria que tu fosses o pai...

Engasguei-me com a noticia, enquanto ela ria gostosamente. Nestes momentos da vida, em que todas as coisas pesam, é aonde o coração vai para balança, e o que prevalece torna-se a tendência premente. Depois de tossir, olhei para Mara, e ela agora não parecia mais aquela mulher tão tímida, tão angelical, agora ela havia transformando-se na minha frente, uma metamorfose, creio que eu também me metamorfoseei.

-Mara eu não sei muito que dizer, eu te acho uma mulher bonita, poderias escolher um homem qualquer, eu não sou nada de especial...
-Não sei Fabiano, é que meu coração te escolheu... como se explica isso. Tu não precisas te preocupar, eu não quero nada de ti, apenas que tu me fertilizes, Joana jamais saberá de nada. Será um segredo nosso.
-Não sei Mara...
-Tu não sentes desejo por mim, não farias isso por mim ?
-Sim...

Quando Mara me deixou na esquina de casa, eu tinha dentro de mim algo diferente. Cheguei no horário, e Joana não reclamou de nada. O pensamento de transar com Mara, começou a martelar minha cabeça, naquela noite fiz amor com a Joana pensando em Mara, Mara, Mara. Foi onde comecei a me adulterar. Meus pensamentos se bifurcavam, estranhamente sentia-me confortável com isso. As noites Joana reclamava de tudo, de mim, meus atrasos, querendo saber detalhes de tudo que fazia, e tal mórbida preocupação foi me afastando dela, ela já começara a me perder, e não percebera nada. Uma serpente pronta para o bote, oculta na folhagem.

Os detalhes sórdidos que sucederam os acontecimentos foram quase previsíveis. Mara e eu fizemos um pacto silencioso. Mara comportava-se como uma atriz na frente de Joana, continuava atenciosa, angelical. Eu pensava comigo mesmo: as mulheres tem sexto sentido, porem parece que ele para de funcionar, quando de trata de melhores amigas...

Tal situação alterou minha personalidade. Minha proximidade com Mara, catapultou o lado mais denso de mim mesmo, que até então desconhecia ou não queria conhecer. Passei a não me importar mais com Joana, com suas reclamações, sua cobrança visceral, com isso, meu estado de saúde melhorou, me despreocupei completamente, sentia-me forte e muito bem. Uma canalhice terapêutica, melhor que alopatia ou homeopatia.

Passei a transar com Mara, uma vez por semana quando fazíamos a programação. A primeira vez foi estranho e difícil, a frieza de uma fertilização em vitro. Mara era maravilhosa, subia pra cima de mim, abria o máximo as pernas, e ficava com toda a porra dentro de si quando eu gozava, então tirava delicadamente. Deitava-se costas, erguendo a pélvis para manter o mais tempo possível o esperma dentro de si. Parecia uma ginasta, eu achava muito engraçado tudo aquilo.

Mas um mês depois, ela me apresenta o exame dando positivo. Então paramos de transar. Porem algo ficou no ar. Os sussurros da proibidos de Eva e Adão, os desejos palpitando em nossas entranhas e um filho meu. Envolvemo-nos fatalmente.

Joana era toda desespero, meus horário cada vez mais irregulares, minhas desculpas esfarrapadas, e uma espécie de indiferença crônica. Nesta época fui aprendendo a ouvir as coisas ditas de forma grosseira, sem alterar minha consciência, minha circulação sanguinea permanecia a mesma, como se não me importasse. A filosofia do saco de pancadas veio daí.

A barriga de Mara crescia lindamente, meu olhar para ela era um carinho supremo, eu sentia felicidade de ter algo meu crescendo nas entranhas de Mara. Mesmo que isso fosse fruto de algo tão cheio de contrapontos. Tais contradições também passaram a pontuar minha vida. Mas estranhamente eu me sentia muito em paz.

Um dia cheguei em casa muito tarde, Joana fez um escândalo, queria saber detalhes de tudo, por onde eu andava, que fazia, que se eu não contasse, então que poderia sair porta a fora... ela não iria me querer mais. Olhei para ela nos olhos, eu era uma anaconda devorando um passarinho:

-Tudo bem, estou indo.
-Isso, vai mesmo ,chega disso, tu achas que podes agir assim? Fazer o que tu queres, tu és um homem casado...viu casado...
-Não sou mais casado, eu era.
-É eras mesmo...

Essa foi a primeira discussão de muitas depois. Isso é algo que jamais compreendi no comportamento feminino, sempre tem o que dizer depois, querem conversar mais depois, tentar rebocar uma parede em ruinas... acho insuportável isso. Todas as minhas ex tiveram exatamente este comportamento, quando sai porta a fora e jamais voltei. Não me orgulho disso, mas e apenas um fato verdadeiro.

Meu filho crescia dentro de Mara, e mesmo sem saber como isso iria se dar depois que nascesse, Mara gostou que estivesse me separando de Joana. E de certa forma eu passei a viver como um pai futuro.

Aquilo era talvez a coisa mais significativa que tinha feito em minha vida. Vivia uma felicidade futura, beijava Mara, beijava sua barriga grande e branca de sete meses. Minha vida tinha virado de ponta cabeça, e eu estava realmente curtindo.

Nas proximidades do nascimento do meu filho, Mara teve uma complicação irreversível e foi levada as pressas para o hospital. Quando cheguei lá, o medico se aproximou com aquele olhar que diz tudo e me comunicou, que infelizmente o bebê veio a falecer por problemas de oxigenação. O céu ficara escuro em mim, sentia-me sem vida, um impacto tão forte na minha cabeça, o coração ficou apertado que não conseguia chorar, precisava chorar agora, berrar...mas um silencio feito de uma dor lancinante.

Quando sentei-me no banco de espera do hospital, tudo parecia meio borrado, a luzes tortuosas, os corredores retorcidos. Fiz um esforço para encontrar frieza suficiente para manter a mente tranquila aparentemente, ainda que a minha volta tudo ardesse em chamas. Puta que pariu, onde estariam os anjos? Deus Tirou férias? Sentia-me roubado, um roubo que não poderia ser ressarcido.

Quando Mara foi para o quarto e pude entrar, sua mãe me olhava com repreensão, Mara era só lagrimas. Eu queria abraça-la, queria que de alguma forma pudesse tirar aquela dor de dentro dela, sentia-me impotente, que poderia fazer? Mas que merda... isso tinha que acontecer?

Mara depois deste acontecimento, jamais tornou a recuperar-se psicologicamente. Ela era espirita, e acreditava que o que havia se passado, era uma questão karmica. Pela maneira como ela escolheu o destino, então havia revoltado as leis da vida. No meu entender, pior que não saber da existência de karma, é ter um conhecimento obtuso sobre o karma. Mara neste sentido era obtusa. Quem acha que karma é igual, a toma-la e da cá, prova que desconhece karma.

Nossa relação se desfez, ela não queria mais aproximar-se de mim, achava que eu devia volta para Joana, Joana achava que eu deveria voltar. Acabou que eu não fiz nada, nem Joana, nem Mara, nem filho.

Era preciso aceitar o que a vida propunha, não poderia fazer Mara mudar, forçosamente sua decisão. Talvez a melhor coisa fosse ficar só, uma espécie de purificação dos sentidos, enfronhei-me ao trabalho, torcendo que a rotina mórbida me trouxesse a normalidade de tudo, de alguma forma funcionou, mas eu agora estava completamente diferente, eu era um outro Fabiano.


Luís Fabiano.


2 comentários:

Dóris disse...

De alguma forma somos mutantes...algumas pessoas se transformam após algumas decepções.
Mas nem todos são assim.
Você sempre fala dos teus relacionamentos fracassados, parece que vocês agiam sempre por impulso. Um relacionamento para dar certo além de amor, é necessário companheirismo.
Rs rs rs, se eu fosse inquerir meu ex-marido por todos os atrasos dele, não teríamos ficado nem um ano juntos. Ainda mais morando em São Paulo, o trânsito é uma maravilha.


Abraço grande...um pouquinho atrasado.

Anônimo disse...

Concordo com vc dóris......verdade!!!