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terça-feira, maio 31, 2011




Displicente inocência mórbida

Joana é uma amiga das antigas. Faz o serviço mais antigo da humanidade, atualmente a preços módicos, pois a idade, o corpo despencado e a dureza existencial em todos os sentidos, a transformou em uma maquina automática de foder.

Você inseriu a ficha na fenda, aperta o botão e ela põe-se a mexer sozinha, até que o leitinho seja derramado em algum dos seus rasgados buracos. Nada como o pratica, eu sempre digo. Em uma conversa que tivemos meses atrás, ela me dizia entre uma risada e outra, movida por alguma substancia venenosa:

-Tanto faz agora, na xoxota ou atrás nem sinto entrar... lá embaixo não doe mais nada, pode enfiar até um braço, apenas me pague antes...

-Mas que beleza em Joana, tua xoxota é mais ou menos como a vida, a gente toma umas porradas daqui e dali, daqui a pouco não doe mais, endurecemos a casca mole do coração...

-É, isso podes ter certeza, de endurecer eu entendo...

Sabia disso, há muito tempo atrás eu fiz uso dos serviços dela, quando era um pouco melhor, quando era meio humana, o sangue ainda corria em suas veias, e palpitavam algumas emoções, ousava dizer que acreditava no amor. Eu achava bárbaro isso vindo da boca de uma puta, aquela boca que engolia porra de vários paus durante um dia, queria achar o amor verdadeiro.

Creio ser sempre assim, a miséria seja ela qual for, nos dá fome de amor, muito embora muitas vezes não saibamos que amor é esse. Eu sou e continuo sendo um miserável, nunca soube muito bem no que acreditava. Mas fui descobrindo a medida que me entreguei a existência, a brutal corrente primitiva da vida, mergulho de animalidade com sonhos angélicos, me entrego ao dia que vivo, a hora que passa, aos segundos que piscam, só sei viver assim, uma caudal de intensidades, que se derramam da minha alma ao mundo, vivo, vivo e vivo até a ultima respiração, até a ultima gota de porra.

Minha conversa com Joana aconteceu em um pequeno bar nos arredores do Mercado Publico, lugar insalubre, onde tomamos um pequeno café barato e terrível. Meu interesse, era secundário, ela sempre fala muito, sua vida é o que posso chamar de extrema. Nisso havia arte, a maneira como ela expunha a colcha de merdas que sucederam em sua existência.

O café tava uma merda:
-Joana, que merda este café, o cara caprichou pra fazer isso...
-É o Breno, ele usa o mesmo coador a anos, dizem que repete o café até o fim do dia...
-Que beleza isso explica muita coisa, bom será que seja só café mesmo...

Ela gargalhava solta, que até escapou um peido bem fedorento. O cheiro da vida pura é mais ou menos assim. O liquido amniótico, fede e viemos embalados nele.

Então disparei de surpresa:

-Hoje não acreditas mais em amor Joana?

Minha pergunta que era fora do contexto de nossa conversa bagaceira, me pareceu desconfortável para ela, um golpe de surpresa no estomago, o sorriso desapareceu do seu rosto, deixando um silencio, ganchos que rasgando a pele.

Talvez ela não tivesse tão dura assim, afinal quem está? Algum lugar em nós sempre irá doer, a não ser que estejamos mortos.

-Olha guri, não penso mais isso. Gostaria de ter esperanças, que as coisas fossem diferentes. Mas hoje, com minha idade, o jeito que conduzi minha vida, já sei que nada ira retroceder. Então é melhor matar qualquer esperança de amar de uma vez, porque vai doer menos...

Uma amargura imensa encheu o ambiente, uma neblina densa que asfixiava as melhores qualidades humanas, até o Breno atendente do balcão parecia congelado, a mesa suja de açúcar, as marcas de copos ressecadas, eram marcas na alma de Joana.

Eu não iria lutar contra aquilo, não faço o perfil de autoajuda, porque existem instantes que a vida apenas é o que é, não há o que sonhar, pois a verdade é um copo de cianureto. Respondi:

-Eu também acho isso Joana, existem caminhos que são sem volta.
-Então vamos fazer um programa?
-Hoje não posso Joana, estou no meu intervalo, tenho que ir trabalhar daqui a quinze minutos...
-Guri, quinze minutos eu já fiz um cara gozar três vezes...
-Eu acredito, mas agradeço já comi hoje.

O café terminara, ainda bem, me despedi e deixei-a naquela mesa, parecia pensar alguma coisa. Tem que coisas que não se pergunta a ninguém, meu coração ficou desconfortável, como um rato tivesse saído da toca, e caminhasse no peito. Preciso parar com isso.



Luís Fabiano.

Um comentário:

Dóris disse...

Cacete meu, você foi de uma "fineza" com tua amiga Joana. Tinha mais é que ficar com desconforto no coração. Algumas perguntas nunca devem ser feitas, ainda mais quando sabe-se dos desejos d'uma pessoa como a Joana. Quando não se tem o que falar, fala-se do rei de todos os tormentos, que é o tempo, o impiedoso.