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terça-feira, abril 19, 2011



Sara e o fim


Sempre lidei bem com culpas escarradas frontalmente, uma agressividade frontal permeada de asco e xingamentos. Lido bem com isso, porque não me sinto culpado por nada, não me sinto arrependido de nada, ainda que criminoso fosse, não arderia nos quintos dos infernos, pois, me sentiria alado como os anjos puros, com suas ridículas asinhas brancas, voz fina e assexuada, em um céu modorrento e congelado de perfeições.

Ela blasfemava a plenos pulmões, cabelos desgrenhados, um olhar de louca irretocável, e a certeza de que tudo aquilo era vão. Raramente estamos dispostos a crer que as coisas em nossa vida são vãs. Queremos a justificativa atroz de uma realização, que não se abale por nada, ainda que a merda da terra insista em tremer sobre nossos pés, e converter nossos mais acalentados sonhos em nada.

Já havia tomado minha decisão. E por pensar muito, minha decisão é sempre final, não acontecem arrependimentos comigo. Sara não estava disposta a entender isso, porque antes de qualquer amor possível, doía-lhe o orgulho lacerado, aquela ponta odiosa e cancerígena da alma humana, que insiste em estar no controle. Creio ser a pior das dores:

-Vai embora Fabiano, vai, é o que tu sempre faz, não é? Idiota, some daqui seu merda, tu e este teu carro ridículo...

A voz entrecortada, distorcida com ranho, muco e lágrimas, era o painel das agonias encenando sua tragédia, uma tragédia que conheço bem, inicio, meio e fim. Chata como qualquer dor. Por que neste aspecto, a dor sempre é igual. Não sinto orgulho disso, porque não é meu desejo original ser um dispensário de dores, o semeador do trágico, o plantador sem colheita. Mas entendo como uma consequência natural, os fracassos apoteóticos de minha vida têm. Talvez soasse bonito neste instante, dizer que aprendi muito com eles. Mas não digo isso, aprendi porra nenhuma, apenas me endureci um pouco mais a cada ano, a cada derrota e quando o chão sumia debaixo dos meus pés:

-Sara pare com isso, esse fiasco besta, essa pantomima de desespero... tente salvar um pouco de dignidade, se é que sobrou ainda alguma coisa em ti, aceite o inevitável, porque é inevitável.

Meus conceitos eram demasiadamente lúcidos para aquele momento, uma lucidez polida, fria e aguda como uma cirurgia sem anestesia. Sentia minha lamina entrando lentamente, rasgando tecidos a procura da alma. Nada é tão bonito assim, tudo que Sara queria era berrar e talvez me agredir um pouco, tentar colocar grilhões pesados que dificultasse minha imutável ida.

Puta que pariu, porque eu não desisto disto de uma vez por todas? Opto pela vida mais fácil, caso com uma vagabundinha qualquer, e me torno um senhor pai respeitável de família? Acho que preferiria fazer o haraquiri.
Então, ela fala pra mim, a fala que talvez em quatro meses de relação, ela jamais tivesse sido tão verdadeira ou profunda ou tão Sara:

-Eu lamento de me evolver com um merda como tu, hoje, tu me roubou a coisa mais preciosa que ainda tentava cultivar em minha vida... acreditar que as pessoas podem legais comigo, mas hoje tudo acabou.

Ela deu um ar dramático demais a dor. Dores profundas calam tão forte que tudo é silencio. Isto é uma pratica normal em finais de relacionamentos. O jogo das culpas, uma acirrada e jocosa maneira de fazer que uma espécie de culpado apareça ou seja eleito. Por entender demais deste jogo idiota, assumi a culpa toda, porque isso termina com a discussão rapidamente, pois as pessoas ficam se altercando, não para se acertarem, mas para descobrir de quem foi a culpa:

-Certo Sara eu roubei tudo de você, tudo bem, mas não se preocupe, alguém irá devolver, porque a vida é assim.

Vi que ela parecia agora sem forças para dizer mais alguma coisa, as lagrimas haviam secado em um deserto a noite, com frio e silencio, silencio cortante ao mesmo tempo em que estertorava em gritos.
Subi no carro e fui embora, não olhando para trás. Estranhamente eu desejei que nada daquilo acontecesse daquela forma, não foram incontáveis vezes que desejei ser o objeto contrário daquelas dores. Gostaria de estar agonizando no lugar dela, gostaria que minhas emoções fossem aniquiladas e que eu chorasse a exaustão, a ter que fazer o que faço. Tento tomar o cuidado para que isso não aconteça, mas as malditas guelras emocionais, grudam-se as paredes lisas da alma, sugam, aproximam tudo em demasia ao sufoco. E mais uma asfixia.

Luís Fabiano.

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