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terça-feira, abril 19, 2011




Episódio de Bar

Sempre detestei mulheres que se fazem de desinteressadas, enquanto por dentro vibram ardilosamente, em um desejo controlável por um bom senso frágil, uma moral hedionda, um medo de si mesma e do mundo.

Em tais circunstancias meu estado de espirito as vezes se altera, como é praxe em todas as situações, cuja normalidade se me torna letalizante, a um ponto que é imprescindível fazer alguma merda, para dar aquele colorido a vida.

Caso ainda não tenham percebido, tanto em nossa vida pessoal, como também nas dos nossos supostos semelhantes, e do planeta como um todo, segue a mesma lei que inquieta do átomo ao cosmos, o grande átomo Dele.

Quando tudo parece por demais brando, calmo em uma ordem excessivamente antropocêntrica, uma quietude estagnante, eis que algo acontece, uma espécie de quebra do protocolo existencial, sugerindo intrinsecamente que a vida almeja movimentos, que não deseja que as ondas do mar parem, que os ventos levem adiante as sementes da vida, como também nossos fétidos aromas, porque sempre é preciso ir adiante, irremediavelmente o passo dado a frente, rompe com a possibilidade de voltar.

Aquele bar começava a ficar bom depois uma da manha. Onde então, vampiros, seres escusos da natureza, criaturas sombrias e porque não dizer o próprio diabo, resolviam aparecer. Dava pra sentir a atmosfera se modificando. Somente quem sai a noite e frequenta as sombras, sabe exatamente do que estou falando.

Eu acompanhado de minha irremediável solidão, estava naquele bar barato, nas imediações do porto. A música era de um radio pequeno, que chiava por estar mal sintonizado, mas aquele pouquíssimo público não ligava para isso, eu não ligava para isso, meu único e exclusivo interesse era o copo de rum a minha frente.

A noite estava quieta demais. Então eis que ela surge no frontispício da porta, no meu entender distorcido, uma aberração naquele lugar de miseráveis, bebuns, drogados, loucos e seres perdidos a procura de um suave afago, algo que lhes motivasse ainda viver.

Ela vestia-se bem, bem demais para aquele antro, o cheiro do seu corpo perfumado chegou as minhas sensíveis narinas, parei de olhar o copo como minha bola de cristal, e passei a vê-la mais detidamente. Era bonita. Que merda fazia uma mulher como aquela, sozinha as duas e pouco da manha ali?

Os que estavam no bar, ficaram um pouco assustados, estão sempre esperando o pior da vida, ela parecia ser o pior disfarçado. Ela com seu salto alto, veio flutuando como uma puta alada, batendo o salto, como se pisasse nas bolas de todos que ali estavam, que agora estavam em silencio sepulcral. Até o maldito radio pareceu se calar. Fiquei pensando comigo mesmo: bem, e agora que mais vai acontecer? Ela vai sacar umas garrafas da calcinha e fazer malabares? Ou talvez com bolinhas tailandesas, fará arremessos vaginais das tais bolinhas?

Mas não, nada disso, ela foi até o balcão e pediu vodca pura. A bebida veio ela derramou um pouco para o santo, e bebeu um bom gole. Uma mulher de fé aquela. Meu rum havia acabado, fui até o balcão pedir mais, e claro olhar aquela silhueta melhor. Era boa, boas tetas, boas pernas e uma boa bunda, isso costuma ser a porta do paraíso, ou a passagem expressa e sem escalas para o inferno.

Acontece que naquela noite de segunda feira, eu não estava a fim de nada. Ainda que as bucetas recitassem poesias de Gutierrez ou Pessoa, eu apenas queria beber e ir para minha toca, o corpo pesava, e possivelmente a morte seria bem vinda naquele instante.

Ela estica-se como gata, como se tivesse se despreguiçando, olha a todos com um olhar de supremacia irritante, uma chacota silenciosa, a mais poderosa as mulheres ali, a fodedora do tempo com sua roupa justa. Normalmente isso pra mim é de uma indiferença atroz, me interesso por gente poderosa ou supostamente poderosa, mas por um motivo desconhecido, aquela maneira de olhar para nos os miseráveis, revolveu meu interior.

Não tenho ataques de justiça repentina, mas talvez pelo rum, pelo cansaço, pelo olhar por minha merda de vida, tomei as dores:

-O princesinha dos infernos, que foi hein? Você tá com algum problema?
-Calma cara...calma – disse um pouco assustada.
-Calma porra nenhuma...que você tem em mente? Que você quer?

Gostei daquilo, se ela fosse realmente fodona, iria me encarar. Já estava com vontade de pega-la pelos cabelos, e transforma-la em minha vaquinha de estimação.
Dava para ouvir as pedras crescendo, tamanho o silencio que se fez. Ninguém saiu em devesa da putinha esnobe.

-Nada não, eu já tô indo embora...calma tá tudo bem.

Zefa, o dono ou dona do bar, serviu o rum e fiquei parado, vendo a moça se afastar, muito sem graça, com passos decepcionados. Zefa é uma mulher que é mais homem que muito marmanjo que conheço, acho até que ela mija em pé, nunca vi, mas gostaria:

-Fabiano, que houve? Tu nunca dizes nada, nunca faz nada, que te deu cara?
-Sei lá, as vezes é assim. Essa putinha sente necessidade da vida, uma vida que ela não vive, por que tudo é uma ilusão de facilidades, ela veio aqui atrás de vida real, nossa vida, a bebida barata, o cheiro azedo que se mescla ao cigarro vagabundo, a sujeira das paredes e aos pedaços de alma espalhados por aqui...
-Filosofando e tudo hein...
-Vai a merda Zefa.

A machorrona saiu de perto rindo sozinha. Tomei o ultimo gole e fui embora, sentia uma saudade inquietante das estrelas, do ar da rua, de voltar para alguém. Na porta do bar olhei para o céu constelando, a lua cheia, respirei fundo querendo viajar para fora de mim, mergulhar em uma quietude, mergulhar nos braços dela.



Luís Fabiano.

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