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sexta-feira, abril 22, 2011



Evangelho de outro Jesus


Tento furtar-me ao oportunismo momentâneo, por uma confessável canalhice que me é  natural, torna-se impossível, inescapável e porque não dizer o prazeroso, o vômito que divido com vocês, entre peixes e o vinho.

Tais datas evocativas, são pontos máximos onde a razão humana mistura-se aos ideias sublimes, e depois fatalmente cansados da encenação, mergulham novamente no nada cotidiano, onde palavras como renascimento, ressurreição e outras tantas do mote, vira poeira engolida pela vida real. Nossa vida real, a qual tentamos dia após dia dar algum significado, dizendo de nós para conosco mesmo: isto esta certo, isso é verdadeiro, eu tenho certeza, vai funcionar...

Sem renascimento, apenas luta, luta e luta, para fazer algo além de sobreviver. Particularmente a pascoa não me trás boas recordações, e não quero entrar nisso, talvez não neste momento. Irremediavelmente, sempre quando me falam de Jesus, uma coisa é certa, aquele de Nazaré não é o que me lembro. Existiu um outro, palpável que marcou mais minha vida, ao invés do de Nazaré, que é ao mesmo tempo uma chaga e uma cura, impregnada no inconsciente coletivo da humanidade.

Conheci Jesus quando estava saindo do quartel. Estava voltando a estudar, depois de um longo estágio dentro do aquartelamento, brincando de ser soldado da pátria, enquanto me esgueirava a procura de não fazer nada. De volta a escola, ele tornou-se meu colega de aula, e de saída percebi que algo diferente havia nele.

Um cara de experimentado, já havia ido para o reformatório, na época a FEBEM. Muitas historias para contar de um assalto que participou, e no final deu errado. Talvez por afinidade vivencial nos tornamos amigos. Afinal Jesus acabou se tornando um dos mestres que tive, desta ganga especial de bêbados, tarados, drogados, putas, ladrões, assassinos e pessoas problemáticas de toda sorte. Estes sempre tinham algo a dizer, algo da vida real, algo que não deixava espaços para devaneios vaporosos, os que trilhavam a vida mais difícil, por opção ou por falta total de escolha.

Jesus era muito silencioso, mas aos poucos começamos a falar mais, então percebi o orgulho de sua fala, suas pausas reflexivas, quando dizia em detalhes como sua adrenalina subiu, naquele dia, quando com uma arma na mão, tinha controle das vitimas, que tremiam:

- Medo era o meu combustível cara, ter a sensação que o mundo estava pela primeira vez a teus pés, é a melhor droga que se pode ter, faz com que a cocaína, maconha ou quaisquer outras merdas destas desapareçam – Dizia Jesus, e seus olhos brilhavam como pequenos diamantes a procura do infinito, naquela pele escura, dentes brancos e um corpo magro.

No bar da esquina onde ficávamos horas, eu e mais alguns colegas a volta dele. As aulas da escola tornaram-se nada, entre uma boa cerveja, cachaça barata e aquelas conversas, íamos escrevendo a nossa vida, uma vida tão certinha comparada a de Jesus. Perguntei a ele certa feita:

-Então cara, que tu pensa hoje, vais voltar a assaltar?

Ele ergueu aqueles olhos, como se buscasse inspiração no alto, ou tentasse afastar terríveis pensamentos, tomou um bom gole de cerveja e disse gravemente:
-Não quero que isso aconteça, porem, jamais digo não definitivo a nada. Minha mãe é muito doente, e se piorar, a quem eu vou recorrer? Tu irás abandonar tuas coisas para me ajudar? Tu abriras mão da tua vida confortável e certinha, para ajudar a Neuza e a mim, que somos desconhecidos, e não representamos nada neste mundo? É claro que não, o mundo não é assim. Eu me fodo, e me fodo sozinho, porque Deus não permite discussões. Já com dinheiro, todos se ajoelham...

Engolia em seco aquelas verdadeira palavras, realmente nem eu e ninguém faríamos nada, aquele silencio pesava.

Por dias, Jesus desaparecia da aula, e não tínhamos noticias deles, naturalmente sempre esperávamos o pior, morto ou preso. Então reaparecia tranquilo e silencioso como sempre, quando sorria, parecia que a vida também sorria com ele, lembro que jamais o vi chorar. Contou-nos uma vez da historia do reformatório, sua universidade como dizia:

- É preciso ser forte para sobreviver, por lá ninguém liga pra você. Quando as luzes se apagam tudo vira terra de ninguém, ou você demonstra que é o pior, ou comem seu cu e o transformam no viadinho a quem todos chutam. Aprendi isso da pior maneira. A luz se apagou, na minha primeira noite lá, e um cara gordo veio pra cima de mim, dizendo: Agora novinho, tu é meu, vai ser minha mulherzinha... Ha, há ,há. E já foi tirando a piroca pra fora, e me fazendo ajoelhar. Quando não se tem força física, tu precisas de coragem, inteligência e alguma fé. Eu acreditava em mim. Seguia dizendo o gordo: agora chupa, chupa bem gostoso putinho... ha há há. O troço dele tava duro, e eu teria apenas uma chance em uma, de mostrar quem era homem ou não, tinha muita disposição. Botei a piroca do cara na minha boca, e conforme botei, mordi com toda a força que eu pude, agarrando as bolas dele e apertando com tudo. A dor foi algo, o cara apagou entre gritos, e eu cuspi um pedaço da glande dele na cara do filho da puta. Eu estava coberto de sangue, e perguntei em voz alta para todos aqueles filhos do demônio lá: Então, mais alguém quer uma chupetinha? Outra vez aquele silencio, onde todos se sentiram congelados. Puta que pariu, na minha cabeça, voltei a cena do assalto, lá estavam eles aos meus pés. Eu tornava a acreditar na fé.

A historia nos arrebatou a todos, em momento algum me lembrei de Nazaré, e creio que Jesus o filho de dona Neuza, também não. Alias como muitos instantes de nossa vida, em que o tempo leva adiante, sublimando ou simplesmente enterrando tudo, queiramos ou não.
Lembro carinhosamente dele, sua fala pausada, e o olhar firme de quem fala a verdade.

Um dia ele desapareceu de vez, a classe vazia cada dia que eu chegava na aula, dizia em silencio o que meus medos ecoavam, importante que se diga, aquela classe jamais alguém sentou novamente, como uma espécie de oratório inconspurcável.

No fundo queríamos que ele voltasse, que nos contasse novas historias, e que principalmente tudo estivesse bem como ele e dona Neuza. Mas como o outro Jesus, ele também desapareceu, ou foi arrebatado, não sei.

Luís Fabiano.

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