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segunda-feira, fevereiro 28, 2011


Anti-herói de mim


Sempre tive admiração pelo anti-herói. O cara que no final, muito embora com esforços razoáveis e pouca atenção, termina se dando mal, porque sua aspiração principal nunca foi vencer nada. Tornar-se um vencedor pleno, é como acabar o jogo, é gozada final, é o ultimo pingo de mijo na cueca. Creio que fui me tornando meu próprio anti-herói. Tanto admiro estes caras, que suas almas agora estão também um pouco em mim. Sinto me orgulhoso disso. Muito longe de ser uma derrota, é uma honra. Os seres mais repletos de vida e humanidade que já ví. Tais vidas são exemplos, mas não para qualquer um.

Num mundo onde todos querem ser vitoriosos, plenos, ter o mais e o melhor, estes caras fazem o caminho inverso. Pensava nisso fazendo uma breve analogia com a filosofia oriental. Pode-se alcançar os sonhos pela via contrária, se porem, houver uma profunda intensidade de verdade em si. O que redime e santifica qualquer ato. Lembro que na época, achei tal pensamento absurdo. Porem o tempo veio clareando a dimensão de tal verdade. Porque essencialmente todas as cosias são feitas de uma mesma coisa, logo, seja mais longo ou curto o caminho, essa essência é atingida, por um inescapável sofisma da vida.

Foi durante um período difícil que acreditei nisso com as veras da alma. Entre tantos pensamentos loucos, pensei em virar um matador de aluguel. Foi quando os vilões me chamavam mais atenção, eles eram os caras que resolviam as coisas sem frescuras. Naturalmente não pensei na maldade em si. Queria ser uma espécie de justiceiro, onde os perversos seriam punidos com a morte. Nesta época eu me sentia muito enrolado pelos outros, havia papo demais e pouca ação, talvez meu traumas falassem mais alto e minha dores entoassem cantos de agonia.

Tal ideia me acalentou a questão de ser justo e resolver tudo. Uma vez que nosso conceito de justiça como entendemos em um nível pessoal e passional, não passa a mais das vezes de mera vingança refinada e subjacente. Quem nos causa dor, deve se foder como nós nos fodemos, e mediante isso vamos nos sentir compensados e em paz. Me soa muito estranho isso hoje. Porque dá a impressão que podemos secar nossas lagrimas, fazendo mais lagrimas caírem por ai, lavar a merda com mais merda.

Nesta período eu estudava a noite. E lembro de ter passado por um mendigo, sujo,fedendo, rasgado e tossindo feito um condenado em uma noite de inverno. Lembro que pensei comigo: esse cara estaria melhor morto, que vivendo uma vida assim, sombra de indiferenças, ranço de nulidades, ausência plenificada de nadas.

Fiquei parado olhando um pouco ele, tentando se cobrir do frio. Piedade ou sentimentos hipócritas, nunca foi meu forte. Guardo isso para quem merece. Então ele me olhou nos olhos. Eu contava na época com vinte e quatro anos. Ele parecia ter muito mais, uns sessenta talvez. Ele ficou me encarando, eu parado naquela esquina fria. Então fiz uma brincadeira com o cara. Apontei o dedo em forma de revolver, como quem fosse dar um tiro com a mão, e fiz bang com a boca. Não se mexeu, ficou assim algo congelado. Eu disse:

-Todos os teus problemas estão resolvidos, bang...
Ele me responde:
-Antes fosse tão fácil...queria dormir e morrer e fim hoje...deixa eu morrer hoje...
-Sei, sei. Mas acho que hoje não.

Realmente senti vontade dar a morte de presente para ele. Eu entendo bem isso. Trago a morte sempre bem próxima a mim, grande amiga e parceira em noites de avançam em solidão sem consolo algum. Noites que o rum acaba, o telefone não toca e todas as bucetas ficam mudas.

Então deixei o mendigo na esquina, meu pensamento fixo nisso. Segui andando só, algumas quadras dali, um grande alvoroço, sirenes, policia e ambulâncias. A musica ordinária da cidade, vomitando catástrofes, dores e lágrimas desconhecidas.

Aproximei para ver o que se passava. Um cara no chão, olhos esbugalhados olhando para nada, uma bala havia entrando bem no meio da sua testa, podia sentir o cheiro acre do sangue no local, muita confusão e a policia dispersando os curiosos sedentos.

Foi bem na Andrade Neves, esquina uma rua que não lembro. A morte estava ali, fazendo sua dança macabra. Não sei o que aconteceu com o cara. Não sei de nada mais. Meu estomago embrulha-se, caminho mais alguns metros e vomito. Mesmo hoje não sei o que aconteceu comigo, sou de um temperamento insensível, já tinha visto a morte de perto, não era uma novidade.

Mas havia uma angustia ali em mim. Quis negar tal emoção, lembrando meus pensamentos de matador, pensamentos plásticos tecidos de voláteis intensões. Como um muro que desabada, tal pensamento de justiça foi sendo abandonado. Talvez eu não tenha sangue frio pra isso. Mas como tantas outras coisas que abandonei, por falta de conteúdo, mas na hora parecia preencher minha alma de verdade. Isso eu também fui compreendendo, a verdade não é algo estático, é dinâmica como as estações da vida, que vão alterando nossa superfície, fazendo-a tornar-se profundidades densas.

Decidi não querer matar mais ninguém, tentar viver em paz, interferir o mínimo na natureza e na fluência da vida.E se de vez em quando der para vencer, algo tudo bem, se não, tudo bem também.

Luis Fabiano.

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