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segunda-feira, dezembro 27, 2010


Nascimento do nascimento

A merda é meu material de construção. Tiro-a fresca do meu próprio rabo e esculpo formas, adiciono um pouco do meu sangue e algumas reles emoções. Não consigo sentir ou arranhar o divino, pelo divino. Raspo minhas entranhas e ponho tudo pra fora.
Penso isso sobre a arte. Ao menos pra mim a arte é feita assim. Nada de insipidez e gostos amórficos. É preciso sentir algo, ainda que algo se o gosto do liquido amniótico, berço de nossa vida, onde éramos protegidos por nossa bolha. Entramos na vida perdendo. Perdendo a segurança e o silencio, e ao respirar a primeira vez neste planeta, temos o trailer mais ou menos de como a vida será. Lágrimas e gritos.
Depois a formação de um caráter, a deformação de nossa essência mais bela. E de anjos, vamos perdendo as asas, sendo lentamente conduzidos a criar chifres. Se temos sorte, em dado instante queremos virar o jogo. Mas não antes de mais lágrimas. Comigo é assim.
Por muito momentos desejei ser uma tartaruga, retroceder a escala evolutiva, ficar com casco duro. Creio que tanto alimentei tal pensamento, que o casco, a armadura se incorporaram a mim.
Me sinto hoje, homem meio tartaruga. Apenas não herdei a covardia da tartaruga. Herdei outras covardias.
A muito desacredito de todos. Não alimento absolutamente nenhuma ilusão quanto a criatura humana. Entendo que todos são filhos da puta, até se prove o contrário. Quando aceitei isso passei a me sentir mais confortável com todos.
É preciso confiar nas pessoas, e saber que elas em algum momento vão enfiar uma faca afiada em ti. Isso deve ser tranquilo, ser encarado com um ato normal. Sem revanche, sem vingança. Uma maneira de confiar com cuidado. Trato a todos desta forma. Não há uma alma neste planeta capaz de me surpreender, a não ser eu mesmo.
Mas para que isso funcione com eficiência, é preciso abandonar algumas coisas. Tudo tem preço. A primeira delas é o amor. Para algumas pessoas tal sentimento funciona, e acho bonito. Pra mim nunca funcionou.
Decidi a poucos dias que não mais pronunciarei nenhuma palavra que traduza amor. Nem aqueles que amam. Porque realmente não sinto isso por nada ou ninguém. Ao longo de minha vida, fiz de minha existência uma emulação da realidade. Tentei aliar o que pensava a respeito de amor e o que o amor realmente era. E tudo cansa.
E mesmo com minha mãe, irmã, pai etc...não funcionou. Nada representava aquilo que imaginava. Não havia ideias nobres..não haviam sonhos, e não haviam esperanças. E hoje um pouco mais esclarecido, pouco significado tem pra mim. Possivelmente as derivações egoísticas de minha alma falem mais alto. Bom, que seja. O único lugar que sinto alguma satisfação é em mim mesmo.
Com o tempo, passei a não tirar a armadura, e nem me afastar da espada. Custa-se muito tempo para afastar-se as pieguices humanas. Como espumas de um mar ondulante, por fim o vento leva e a onda quebra-se.
Regozijo-me em minha solidão. Uma solidão a qual nunca estive apartado. Por mais amores, ódios e indiferenças que a vida tenha me presenteado. Olhava para os lados, e os abraços não chegavam a em mim, não me tocavam, não me transpassavam.
Ao contrário de emoções, as coisas eram para mim uma ideia. Mesmo a dor era uma ideia, a perda uma idéia, eu a engolia, e junto com minha alma aquilo virara um bolo de merda. Por favor não me entendam mal. Não me considero um artista. Sou um aprendiz de feiticeiro. Mais ainda não faço minhas feitiçarias. Um dia quem sabe, ou nunca.
Sei que os artistas pegam o seu material de construção. As emoções doloridas, as perdas, o amor desiludido, as frustrações e decepções, a merda de cada um. Então compõem musicas, pintam telas, escrevem...uma tentativa de ver o final algo dar certo. Ás vezes dá. Outras vezes é puro desespero, um alivio a alma. Tentam nascer novamente neste mundo. Entre dores e liquido amniótico.

Luis Fabiano.







Um comentário:

Dóris disse...

Parabéns!
Texto excelente. Igual a todas as pessoas normais.

Abraço.