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terça-feira, dezembro 14, 2010


Emoções encaixotadas


Sou assim mesmo. Sentimentos mutantes, nem por isso ausentes. Eles se alteram, como a rapidez do flash de uma máquina fotográfica. Eventualmente sei que é preciso ser um bom filho da puta. E talvez essa seja a parte que as pessoas não gostem muito. Porque nunca é bom ver algo cujo o foco é difuso ou transgressivo.
Quem entende a vida a partir de um único ponto vista, descarta o universo que existe em cada ser humano. Creio que assim perdemos uma grande a riqueza. Queremos trilhar o caminho que todos querem trilhar, e se possível pisar nas pegadas deixadas por todos que nos antecederam. Como vacas indo ao encontro do campo verde ou do abate. Durante muito tempo pensei assim.
Afinal, quem não tem sede pelo óbvio?
Comportar-se como um exemplo, ter sentimentos acondicionados em caixinhas, bonitinhas e bem fechadas, ordenadas em armário. Tudo muito limpo e assustador, ao menos pra mim. Sei que é assim.
Conheci gente tarada por limpeza, entendi que limpeza também pode ser uma modalidade sexual. Não foram poucas vezes, que sujava o local que a pessoa considerava sagrado, propositalmente, para vê-la correr de um lado para o outro, como se tivesse arranhado um anjo do céu.
Seria bom que tudo ficasse nesta patologia, tão limpa. O terrível sempre é o que esta por detrás, no quarto escuro, onde raramente entramos. Nunca me enganei, então a alma de toda aquela limpeza, era um borrão de merda muito fresca e fedida. Inúmeras vezes disse a estas pessoas, tinham em verdade nojo de si mesmas. Eu também tinha.
Me irritava profundamente, vê-las acordando muito cedo em um domingo, tirando tudo dos lugares, e passando incansavelmente um pano.
Não demorava muito. Depois de um tempo, mostravam os sentimentos fora das caixas. Ou eu fazia o possível para que isso acontecesse. Nada como a intimidade. Tive um colega de trabalho, meio coroa e considerado excelente pai de família.
Era a mesa mais limpa da sala. Os lápis em perfeita ordem por cor, canetas que sempre funcionavam, e folhas em branco sobre a mesa para qualquer escrita de emergência.
Aquilo não era uma mesa de trabalho, era um ideal angélico. Muitas vezes olhava aquele altar, tentando devassar, mergulhando nos detalhes disformes de uma organização feita para esconder.
Não é relevante, mas vale a pena dizer que ele não era o chefe. Meus colegas não gostavam de Nestor. Não gostavam pelo que viam e sentiam em suas próprias almas. Um sentimento totalmente equivocado. Meus colegas tinham complexo de inferioridade, ou seja não gostavam por si mesmos, sentiam o cheiro do próprio lixo. Nestor não era o problema.
A bem da verdade, o ser humano nunca gosta do que fede em si. Sem duvida que aquela situação era um grande cena.
Os tipos patológicos me atraem, por mais limpos que aparentem ser. Me aproximei dele a ponto de trocar confidencias, coisas sobre família, mulheres, falar sobre as putarias que todos os homens falam, como quem  alisa o próprio membro todos os dias.
Então, um dia saímos pra tomar um trago de fim de tarde. Começava a achar que realmente estava errado sobre ele. O filho da puta era eu. Ele era tudo o que dizia, não havia falhas.Nesta época eu não tinha carro e depois do trago, ele me deu uma carona. Já dentro do seu carro, ele começou a ter ideias mirabolantes...sim, passaríamos em uma rua onde tinham travestis de esquina. Enfim saiu da toca.
Quando passamos pela Barão de Sta Tecla por volta de vinte e uma horas, havia muitos travestis. Nestor para o carro e descubro que ele é muito conhecido.
Olhei ele tocando nas bonecas, feliz, pegando seus paus em plena rua, dizendo que voltaria mais tarde. Confesso que senti satisfação naquele momento. Foi como se cheiro merda francesa adentrasse meu nariz. Gosto de gente exemplar.
Ele me deixou na porta de casa, entre sorrisos. Entrei para meu lar, onde nada era ordenado, e creio que ainda continua desordenado. Na época, minha mulher já estava com a cara fechada pelo horário. Sorri pra ela:
-Olá amor, tudo bom...
-Só se for pra tí...né...porque não veio pra casa cedo?
-Eu estava estudando uma alma...
-Fabiano, tu sempre com essas respostas furadas? Tu pensas que sou idiota ?
Fiquei em silencio, pensando que resposta daria, ou onde acertaria a porrada. É bom sempre ter algumas variantes. Tudo sempre passa em minha cabeça, mas tento sempre ser lacônico, deixar que as coisas esfriem por esfriar. Sempe faço o mais fácil, mas não descarto possibilidades.
Em casa meus sentimentos não estavam em caixinhas, e sim no vaso, eu estava prestes a dar descarga. Ela falou mais algumas coisas que não dei atenção. Lembrei de Nestor e suas travestis oferecidas.
Talvez a mulher dele fosse assim?
Talvez e ele pagasse um preço menor, que estar em casa fazendo companhia ao que não mais existe, embebidos em divergências, cultivando diferenças como roseiras sem rosas. Regando arame farpado, na esperança que deem flores. Não faria isso.
Peguei meu casaco e sai pra rua, deixando ela falando sozinha, já estava sozinha, apenas não havia percebido. Caminhei em uma noite calma e salpicada de estrelas, tentei organizar minhas próprias emoções, e talvez a ideia de coloca-las em caixas por algum tempo não fosse tão má. Foi isso que fiz.
Eventualmente abro alguma para ver como estão, ás vezes me faz bem como um bom abraço.

Luis Fabiano.

Um comentário:

Dóris disse...

Sempre tive minha opinião formada sobre pessoas com mania de muita limpeza e organização....talvez por eu não ser tão organizada assim...mas para mim pessoas com estas manias são assim para esconder alguma coisa. Por isto minha vida é um livro aberto para aqueles que me conhecem.

Abraço todo desorganizado...mas repleto de PAZ.