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segunda-feira, outubro 25, 2010

Açoite


Marquês de Sade sempre fora um de meus heróis prediletos. Lia sua obra sorvendo, como um manual de primeiros socorros as avessas. Não buscava cura, nada de aliviar a dor. Creio mesmo que os leitores de Sade, até hoje não o entenderam muito bem.
Apegam-se a parte vil da historia, porque carregam vilezas dentro de si. É assim com praticamente tudo. Não percebem a sutileza que transcende paus eretos e vaginas molhadas. A letra sempre foi e sempre será morta.
Tingimos o mundo com as cores que carregamos na alma. E temos a ampla certeza que a culpa é alheia. Isso sempre foi claro como a luz dia para mim. Não é preciso muita coisa para que o humano amaldiçoe o sol.
Foi exatamente neste ponto da obra, Os 120 dias de Sodoma, que Celina entra com um chicote na mão e sorrindo. Ela queria descer a porrada em mim, já havia me avisado. Não tem problema até um certo ponto. Sou um tipo tranquilo, ela queria atiçar a fera e mim. Já gostei mais da fera, hoje a uso para outros fins. Depois que acorda, é difícil de segurar. Já tive algumas provas disso. Os resultados não foram os melhores.
Ela queria amor e chicote. Fiquei olhando-a seminua na porta do quarto, seu corpo brilhava.Fiz um sorriso algo maléfico, pensando comigo, até onde ela desejaria chegar com aquilo? Nossa relação é banal, puramente sexual. Reunimos nossas tragédias pessoais, e colocávamos tudo pra fora trepando loucamente. La vida louca. Já tínhamos feito quase tudo. Agora começaram as inovações criativas. Ela sacudia aquela merda, olhava-me como cara ferina.
Deixei o Marquês de lado. E levantei com pau duro em direção a ela. Ela me acerta uma chicotada no rosto. Gargalha como uma louca. Sinto meu rosto arder e parto pra cima. Acerto uma bofetada de cinema no rosto dela, o canto da boca sangra. Agora estávamos excitados e pronto, ela pede para me bater mais. Consinto. Ficamos naquilo até sangrar. Uma boa diversão.
E mesmo assim o tédio insistia em voltar. Celina era uma linda advogada, quando não estava enfurnada em seus casos infindáveis tentando salvar o mundo, gostava de prazeres fortes. Bebidas fortes. Esse perfil dela em agradava. Justamente a pintura distorcida, a face real subjacente da vida. As vezes não tão bela.
Depois da maratona, ela veio cuidar das marcas do chicote em minhas costas. Algumas sangravam um pouco, mas dor física não é nada em comparação a outras dores. Ela beijava e lambia, como um animal. Talvez a beleza disso, fosse exatamente este ponto.Tudo era um ritual para chegar exatamente ali. Ela não percebia sua razão. Gostava de curar feridas, feitas por ela mesma. Digo:
-Celina, você entende bem este jogo?
-Sim, prazer, prazer e mais prazer...e já tá bom
-Que você sente agora, me acariciando?
-A melhor sensação do mundo...
O chicote lançado para longe, era uma testemunha muda.
-Porque a melhor sensação mundo?
-Sinto-me feliz por estar fazendo algo bom pra ti, cuidando,zelando para fiques bom...
-Qual a maior ferida da tua alma Celina? Onde dói que não é possível alcançar?
O ser humano é de uma previsibilidade medonha. É sempre o mesmo drama de um e de todos. Tudo igual.
-Não quero falar disso, quero apenas sanar tuas feridas...
-Sim, tudo bem. Talvez um dia eu sane as tuas.
Chopin tocava ao fundo. Melancólico como aquele momento. Ele também tivera muitas feridas na alma, eu tinha as minhas e Celina fugia das suas. Depois que o açoite se cala ha paz. Mergulhados nas melhores aspirações o ser humano, tangidos por fiados de esperança. Acho que as pessoas não sabem ler Sade. Como não entendem as entrelinhas da vida.
Ela deita-se em meu braço. Sente-se aconchegada e adormece como uma criança. Não sei como isso terminará, creio nunca sabemos. Isso não deve importar. A afaguei, beijei na testa e tudo que desejei era que aquela noite não terminasse.

Luis Fabiano.
Se as feridas falam, as vozes calam.

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