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quarta-feira, agosto 11, 2010


Criaturas da noite (hominis nocturna)

Começo a ficar com ojeriza da noite. Poucas coisas ficam saudáveis depois da meia noite. Constata-se isso, saindo este horário de casa. Na hora grande. Dia destes, inventei dar um passeio noturno, solitário. Comungar com as estrelas. Prazerosamente solitário. O carro deslizava nas avenidas, vielas e becos.
Me perguntaram dias atrás, porque falava de becos escuros, em uma cidade como Pelotas? Disse o cara:
-Não estas em Londres camarada...
-Vai te fudê.
Olhei pra ele. Não estava afim de discutir nada. Acho um perigo pessoas que não se conhecem muito. Infelizmente, este grupo é grande, maioria da imprestável humanidade. Ás vezes gostaria de ser bem melhor que eles. Mas sei que em muitos casos sou pior. O verme. Um pior bem envernizado.
Não tinha disposição para conversar. A maior parte do tempo não falo absolutamente nada. Apenas minha boca se mexe. A noite fria estava agradável. Pessoas circulavam na rua. Eu tinha entusiasmo de fazer merda. Ainda não sabia bem o que. Um grave defeito. Nunca sei o que vou fazer. Encosto o carro na Deodoro.
O Liberdade brilhava aquela hora. Gosto daquele lugar. Boa musica, alguma malandragem, mas nada muito nocivo. Quando entro, uma senhora cantava um bolero emocionado, era aplaudida, entre sorrisos e baforadas de cigarro. Sentei e tomei uma cerveja. Um solitário sempre chama atenção. Mesmo um solitário perdedor. Baratas, aranhas e outros bixos estão atentos.
E as criaturas da noite são predatórias. Uma mulher que conversava com outras duas. Não era bonita, o tempo não havia sido gentil com ela. Cabelos longos, pintados de um loiro com raízes negras. Um grande casaco branco, uma saia escura acima dos joelhos. Uma mistura boa. Nada nela prometia muito ali. Mas as pernas eram boas.
Passa por mim, pede licença, roça as pernas em mim, sem querer imaginei. Mas uma coisa é preciso saber. Nada a noite é sem querer. Tudo é intencional. Quando volta, para me pergunta:
-Fogo?
-Ainda não estou, essa é a primeira cerveja.
Da uma risada, como uma galinha engasgada. Diz:
-Não é isso, tens fogo para acender o cigarro?
-Tenho.
Ajudo-a com o cigarro, ela fica por ali ciscando. Um cigarro depois, éramos íntimos. Contou sua vida inteira. Decididamente, não gosto de saber da vida ninguém. Nem gosto de falar da minha. Na verdade já sei todas as vidas. Você vê uma, vê todas. Dramas emocionais, dramas de saúde, algumas poucas felicidades, amores perdidos, sentimentos destroçados, coisas impensadas e suas consequências, morte e o resto. Esqueci alguma coisa?
Como é esperado, tudo isso me é tedioso, previsível até o osso. O que mais detesto em todos. Todo aquele papo besta, pra ela abrir as pernas no final. Preço alto demais.
Olhei-a nos olhos, achei melhor ir embora. Fui parar em um outro bar não muito longe dali. O publico era outro. Alternativo. Quando as pessoas falam isso, referem-se sempre de forma rotulada, gays, lésbicas, travestis, drogados, bêbados, emos, metaleiros, tribos e loucos de toda sorte. Os meus mestres. O segurança na porta me olha. Cara de buldogue mau humorado.
O lugar é uma espelunca fumegante. Retalhos de alma com sabor de inferno, enxofre.
Era mais alegre, pessoas tentavam divertir-se. Uns dançavam, outros se drogavam, ainda outros se agarravam, com garras expostas, paixão, fervor, carência e desejo. Via isso em seus olhos vermelhos. Trens em alta velocidade. Prontos para descarrilar. Pedi mais uma cerveja, não faria mal. Afinal a morte esta sempre a espreita.
Logo fiquei uma vontade mijar. Pergunto onde é o banheiro para o cara do balcão, ele aponta um canto meio penumbroso e sujo. Paredes escuras.
Vou até lá. Quando entro, no canto mais escuro próximo ao mictório. Dois caras tentavam trepar. Tudo bem.
-Da licença, preciso mijar – disse me anunciando.
-Mija aí meu...
Me apontou o sanitário cagado. Perfeito. Quando você esta se mijando, um sanitário cagado pode ser um paraíso. Ao fundo um dizia para o outro:
-Vai, enfia esse troção em mim. Arregaça minha a rosquinha.
-Toma então...
-Huuuu
-Tá seco isso, cospe ai...vai..dá uma molhada e me beija...
-Isso atola até os ovos...enche meu rabo de porra...
O cara mandava bala . Eu mijando, ouvia estas palavras carinhosas. Fiquei na minha. Mas foda-se, minha arma era o mijo. Nem olhei para o lado. Acho que mijei quinhentos litros, as ultimas gotas caíram na cueca. Senti que correu pela minha perna algo quente. Acho que foram mais que algumas gotas. Que merda. Isso às vezes me acontece. Mijo secará.
Voltei ao balcão. Ainda não me sentia satisfeito. Não me referia necessariamente a sexo. O cardápio noturno estava variado. Preciso alimentar-me de uma boa dosagem do lixo humano. Me refiro a lixo implícito, subjetivo. Lixo atômico. Emoções destruídas, uma sede desesperada de afeto, capaz de tudo. Matar, morrer, expor vísceras. A solidão que dorme em cada um. A fuga agoniada para algum porto seguro. Os braços de um(a) canalha, que vai te deixar pior em troca de te deixar melhor. A malicia que serpenteia, os dentes afiados o vampiro.
Olho para o lado, na mesa uma mulher esquálida entupia o nariz de pó, coçava a narina. Parecia estar feliz. Tudo que vi nela, foram restos. Se agarrando a um pedaço de felicidade possível. Não a censuro, somos assim. Precisamos de pedaços de felicidade.
A cerveja estava terminando. Um travesti chega no balcão. Tetas grandes, cabelo loiro comprido, uma minissaia preta e uma boca arredondada, que parecia uma bucetinha. Então fala com uma voz de locutor de radio am:
-Pierre, me da uma dose de whisky.
A voz não combinava com aquele corpo. Fiquei na estética entre as pseudo-mulheres que ali estavam ela era a melhor. Comecei a pensar. Talvez fosse melhor voltar pra casa. Bater uma punhetinha e dormir.
A traveca de voz grossa me olha. Vem na minha direção. Me achou com cara de cliente. Eu pensando em misérias e uma punheta:
-Então querido, gostou de mim?
-É, tu estas bem.
-Então vamos? Fazer amor gostoso...hein..que tal ?
-Creio que hoje não. Além do mais tu pareces um tenor, por favor não leve como ofensa...
Disse isso já me levantando.
-Vai á merda idiota. Um dia verás o tamanho do meu “microfone”.
-Ei relaxe. E guarde este clitóris de Itu pra quem gosta.
Ficou falando mais algumas coisas que não dei atenção. Deixei o Pavaroti de saias e fui embora. Juntei minhas coisas e levei o resto de mim mesmo pra casa. Dirigindo devagar, o carro parecia que andava na espuma de uma onda.

Luis Fabiano.
O vazio é pior veneno. Você morre estando vivo.

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