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terça-feira, agosto 03, 2010


Bullying

É preciso ter sua cota de porradas na vida, para saber o que é a vida. Pensei isso e sorri passando os olhos em um destes noticiários de tevê. Noticias de todo dia, alunos que praticam violência contra os coleguinhas.
A sociedade faz isso de forma metódica e ninguém diz nada, já aceitamos ser estuprados lentamente. Não dói mais. Creio que não poderia ser diferente.
Em outros tempos nada era assim. Não virei noticia. Lembro que chegava no colégio, eu tinha oito ou nove anos. E meus coleguinhas já diziam: aí vem o negrinho!! Isso era todos os dias, metodicamente.
Mas também, que eu fazia naquele colégio caro? Minha mãe queria o melhor para mim dizia. Coitada. Mas eu tinha um problema com estes colegas, um bom grupo, mais de quinze.
E mesmo queimando-me com professores, com o SOE e etc... Continuava na mesma. Diziam coisas ofensivas. Falei com minha mãe, ela disse que iria falar com pessoal no colégio. Nesta época eu ainda acreditava nisso. Gente que fala demais, costuma ser ineficientes. Realmente não aconteceu nada. Fui chamado para um tratamento psico-pedagógico? Eu ? Vão se foder com tratamentos. Apenas não queria me enchessem o saco.
Nesta época decidi que era preciso ser mais forte que eles. Não sei bem como cheguei a esta conclusão. Nunca gostei muito de fazer força, preferi agir mentalmente. Me isolei, e estou isolado ainda, agora por outros motivos.
Como era o único negro de minha turma, tinha que escolher: ou apanhava se provocasse a briga, ou me isolava como um merda. Passei a não responder a mais ninguém. Apenas aos professores quando me chamavam.
O silencio pode ser algo perturbador. No inicio da minha luta silenciosa, achava desconfortável, fica tanto tempo em silencio. Mas me forcei muito. Eles me diziam coisas assim:
-Eí negrinho...ei...fale, responda...negrinho ou tu é negrinha...fala...fala...diz..algo...negrinho de merda.
Aquelas crianças eram um doces. Ficava em silencio, apenas observando, com uma espécie de revolta contida. Você já encarou um olhar vingativo? Os professores viam isso, apenas diziam:
-Parem crianças...parem....
E iam para sala dos professores.
Não há defesa. Não sentia raiva, não sentia desejo de dar porrada em todos. Possivelmente porque eram muitos. Mas à medida que o meu silencio ficava mais continuo, eles ficavam mais irritados. Comecei a gostar isso. Eles se irritavam, e eu apenas olhava. Eu estava no controle do game.
Mas claro que isso não ia para um bom caminho. Um dia um colega, o Artur, o mais irritado, me cuspiu na cara, algumas vezes. Uma professora viu. E o chamou. Disse que deveria pedir desculpas para mim. Eu limpava o catarro da minha cara. Ele se aproximou com a professora ao lado:
-Desculpa – disse me estendendo a mão.
Não respondi nada, apenas apertei a mão dele. No dia seguinte ele voltou a carga. Isso não lembra nada? Não me revoltei, não tenho em mim isto, revoltar-se é perda de um tempo. Ainda não respondo a ofensas. Entrem, fiquem a vontade, cuspam se quiserem. Ta tudo bem.
Na verdade fui aprendendo a dar um foda-se ao mundo muito cedo. Aprendi que tudo funciona, de uma forma muito emulada, fingir é algo muito util. A realidade nada é exatamente assim. Os detalhes mudam tudo.
Na televisão brilhava aquele aluno meio abobado que estava recebendo cascudos dos colegas. A mãe agora exigia uma indenização, por danos, por agressão, queria responsabilizar a escola. Trocaria o fedelho para outra escola. Uma escola melhor dizia ela. Ele chorava na frente da câmera. Cascudos? Aquilo estava acontecendo a um mês. Será que ele resistiria a alguns anos? Tive que resistir uns bons quatro anos.
Acabou que não tive amigos marcantes na escola. Tudo era uma espécie de desafio o tempo todo. Vestir o uniforme do colégio, era como vestir uma armadura pesada.
Nos cantos do colégio, lugar que os disciplinadores não vão. Reuniam-se nos intervalos, os “marginalizados”. La acontecia coisas interessantes. Talvez minha verdadeira escola estivesse ali. Ali as primeiras brigas, primeira tragada em um cigarro comum. O entendimento de como a vida é difícil. Fui muito precoce em tudo.
Alguns com dez anos fumavam, outros participavam do um jogo bem interessante. Jogo para macho diziam. Chamavam de parede. Era bem simples, havia apenas meninos ali. O objetivo do jogo era pegar um blusão de alguém, e esta pessoa ia para um canto da parede, precisava segurar o blusão com força. Enquanto todos os colegas, davam socos e pontapés nele. Ganhava quem segurasse mais tempo. Que fosse o mais durão, que resistisse mais a dor.
Aquilo era melhor que matemática, geografia e historia. Um dia participei. Meu tempo foi bom. Nada excepcional. Ganhei alguns hematomas. Tinha um cara que era muito bom nisso. Um dia saiu sangrando e ainda conseguia sorrir da vitória. Era um tanque, ninguém poderia derruba-lo.
Não sei que fim deu. Agente se perde todos com o tempo. Acho que a vida deve ser assim mesmo. A matéria do cascudo ainda estava ali, não sentia pena dele. Não sentiria se fosse meu filho. Entendo que ele deveria tentar resolver de alguma maneira inteligente se conseguisse. Mas hoje ninguém consegue usar a cabeça. Hoje todos são traumatizados, hoje todos são muito sensíveis, hoje todos são politicamente corretos, hoje todas as instituições funcionam a pleno, não temos problemas de violência, a sociedade esta segura e feliz. Repleta de idealistas de bundas quadradas.
Não defendo nada, não acuso nada. Sou apenas mais um idiota segurando o blusão.

Luís Fabiano.

Um comentário:

Dóris disse...

Quem na vida nunca sofreu ou cometeu bullying? Muitas vezes sofremos e cometemos e nem percebemos.
Esta tua narrativa me fez lembrar de uma surra que dei em uma colega de aula, quando eu tinha 10 anos. No intervalo, minha colega negra foi agredida verbalmente por uma menina chata e que se achava. Pedi para ela pedir desculpas para a Miguelina, mas ela se recusou. Meu sangue já havia subido a cabeça, tenho horror a qualquer forma de preconceito e agressões corporais tbm, mas não me fiz de rogada não, parti pra cima da branquela idiota, nem me importei com as consequências do meu ato. Bati pra valer, parei apenas quando ela pediu desculpas para a outra menina.
Vítimas de qualquer tipo de preconceito, não devem baixar a cabeça não, muito menos se isolar, elas precisam se impor, mostrar ao mundo pra que vieram.
Quanto o politicamente correto, isto é apenas uma ilusão, não existem pessoas politicamente corretas não, tenho certeza que se existissem, o mundo seria um pouco melhor.
Ótimo post, como todos os teus posts são.

Abraço repleto de PAZ.