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domingo, dezembro 06, 2009


Noite a fora

Talvez esteja envelhecendo. A maturidade sempre envolve, rever conceitos e se for o caso aprimorá-los ou piorá-los, certo que algo muda em nós. Diz um grande amigo meu: ser revolucionário as vinte anos, é bonito e condizente; ser revolucionário aos quarenta é profundamente ridículo e não combina.
Acho que hoje o entendo melhor.Ele era de uma profunda convicção esquerdista, quase xiita. Lavagem cerebral pesada. Lembro que ria muito dele.Ele empunhava bandeiras rubras, na certeza de fazer um mundo melhor no amanhã.Nunca fui bobo.E não coloco fé, em teorias que impõe uma mudança do ser humano de fora para dentro.Não funciona assim. Emula-se uma mudança, cria-se uma fantasia.
Se pudéssemos dissecar a alma, veríamos onde mora a doença. O tempo passou, meu amigo ficou velho, as esquerdas desbotaram, tornaram-se direta e centro, as bandeiras foram guardadas, cabelos ficaram mais cinzas e ele começou a usar óculos.Não se muda o mundo, muda-se o ser humano, o individuo em sua revolução pessoal,intima e solitário.
Deposito pouquíssima fé na criatura humana. E não lamento.É apenas verdade.
Estava em um churrasco comemorativo, cerveja lubrificando a mente, eu mais calado, observador atento. Pensando na própria revolução.
Prova talvez de minha insanidade. Em um dado momento não queria estar lá. Me perdi do sentido.Pessoas forçavam lembranças desagradáveis.
Madrugada avança, e eu fui embora. Fui caminhando, lentamente olhando a noite, estava quente,agradável, mais de duas horas da manhã. Me sentia vazio demais, bêbados demais, pensamentos demais.
Lembrei dos perigos de caminhar a noite assim, assustador, crimes, violência. Não queria pensar nisso agora. Vivemos com medo, medo demais. Tudo torna-se assustador, inseguro, uma espécie de regressão no tempo.Voltamos a ter medo da floresta, das cavernas escuras, dos dinossauros.Tudo é medo, tudo tem perigo.O perigo de nossos “semelhantes”.
Mandei a merda tudo isso. Não se pode ter medo sempre. Fazia tempo que não andava a noite assim. Confesso, achei deplorável de ver. Muita gente nas ruas, dormindo bêbadas, chapadas de crack, sem destino.
O que mais vi, pessoa a cata de diversão. Queriam dançar, beber, comer ou dar para alguém. Sempre no fundo as coisas são mais simples.Caminhava devagar.
Numa esquina, um viado vem em minha direção, insinuante, sedutor, não queria me matar, vinha oferecendo-se, educadamente, me disse uma coisa que não registrei bem o que era, eu respondi:
-Lamento amigo, hoje não é uma boa noite para mim.
Acho que entendeu a gravidade da palavra. Foi embora a procura de outro, para comer o seu rabo incandescente. É assim, sempre se vai a procura de outro, outra qualquer. Satisfazer necessidades, físicas emocionais meio fome e sede.
Chego a avenida principal. Muita gente, muito barulho, carros tocando musica alta, um mais alto que outro, uma espécie de competição, de quem tem o pau maior! Não se precisa ter pau grande. Certas coisas na vida é preciso jeito apenas, um bom jeito e carinho,deixa tudo molhado.
Sentia-me um estranho no mundo. A bebedeira começava a passar, e o peso da realidade ia me deixando irritado. Queria não precisar ouvir mais nenhum barulho daqueles.Nada. Que bom se pudesse ser assim: por favor, me sirvam um copo de silencio com duas pedras de gelo. Desceria redondo.
Quando chegava a proximidade de minha casa, uma criança de rua. Jogada em uma lata de lixo, mexia como um rato, ouviu meus passos lentos e olhou para mim dizendo:
-O tio.Tem uns caras ai querendo me pegar. Tu poderias matar eles? Por favor, mata eles...
Fixei o guri. Não tinha mais que seis anos. Falava em matar com muita naturalidade. Não sabia que responder.
Daria um sermão ético moralista,religioso as duas e meia da manhã? Ele falava serio.
Eu disse:
-Eu mato as pessoas com o pensamento. Faz isso, mata teus inimigos com pensamento.
Respondeu:
-A tá, tu ta loco tio...
E voltou a remexer aquela merda de lixo. Ele disse a maior verdade da noite. Cheguei em casa, seguro, vivo. Caminhada longa demais.
Precisava descansar, desligar de tudo. As vezes os momentos de felicidade que se tem é quando conseguimos desconectar de tudo isso.Das merdas que o mundo produz.

A paz é uma ausência da dor de cabeça.
Luis Fabiano.

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