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segunda-feira, novembro 30, 2009



Marta ficou velha.

Tenho uma certa fascinação com tempo,é involuntário. Possivelmente por dar-me conta de meu próprio tempo, passa muito rápido, um piscar de olhos, bem já não temos o tempo que tínhamos, e se nos perdermos em “besteiras”, percebe-se a inutilidade, isso sim é terrível.
Nada de clichês tipo, a minha mente é sempre jovem, meu corpo que envelhece,mas minha alma é de criança, nada disso.Sem apelos,sem clichês de autoafirmação, sem maquiagem.
Tenho a certeza que velhice vem, e mais rapidamente quando a capacidade de fazer merda na vida toma proporções criticas. Preocupações demais, fantasias demais, problemas demais, futuro demais, passado demais, e vida presente de menos. Se for assim, se é pra ser assim,é calvário informal.
Trabalhava vendendo carros, aliás carros terríveis, muito ruins mesmo, importados da antiga Rússia de martelo e foice.Carros duros, pesados, funcionavam a gasolina e não a vodka como se pode presumir.Eu vendia aquilo, e estranho vender esperanças de algo que não é bom, e você ter de ser totalmente desonesto e afirmar com um sorriso idiota:
-Senhor, é um carro excelente, veja a cor, bancos de couro, um motor russo forte, muito valente, compre e o senhor vai ser feliz. Sem duvida alguma.Tenho certeza.Dou garantias.
Era tudo mentira. Com meu terno alinhado e minha gravata vermelha, era um palhaço mentiroso que pensava apenas na comissão.
Vendi vários, e ate hoje durmo em paz. Era trabalho e eu precisava trabalhar, quando se precisa trabalhar, ganhar dinheiro a honestidade absoluta é um acessório. Ou você acham que eu iria dizer que o carro não prestava?
Quem faz propaganda contra si mesmo? A limites para tudo, o sistema funciona assim.
Na verdade nada disso realmente interessa,são lembranças que trazem mais lembranças.
A esposa do dono da empresa que realmente é relevante. Todos os funcionários eram apaixonados por ela, apaixonados não é bem o termo.
Tínhamos um tesão nela.Como era linda, alta,morena cor de cuia, olhos claros, um sorriso lindo, um corpo escultural e absolutamente elegante.Vestia-se simples, mas a elegância de Marta era algo,educada parecia pairar acima de todos sem ser esnobe.Flutuava.
Nem sempre a mulher do chefe é interessante. Mas Marta era, e tinha algo que gostava muito. Usava cabelos curtos.
Realmente não sei de perto. Ela nos tratava a todos com educação, coisa que o marido não fazia, éramos uma espécie de lixo bem vestido para ele, o patrão nunca foi gentil. Eu era um homem jovem de vinte e cinco anos. Já com poucas fantasias mas algo tonto. A esposa do patrão inspirou algumas masturbações, talvez fosse uma espécie de vingança idiota a prestação. Era bom pensar em Marta, seu corpo, suas roupas,suas lingeries, seus vestido juntos, ela era um verdadeiro presente a fantasia.
O patrão, tinha um tesouro e não percebia.Quase sempre é assim. Contava suas peripécias com a bebida, os verdadeiros fiascos que fazia nas festas que iam, ele achava graça, ela sentia vergonha. Lembro que estava narrando este fato a um amigo:
-Cheguei em casa podre de bêbado.A Marta tava dormindo, tentei chegar devagar, sem fazer barulho, mas tropecei na cama, e quando caí sobre o colchão, já caí vomitando encima dela! Um horror, ela ficou furiosa comigo. Mas no outro dia, me perdoou.Sempre perdoa a tonta.
Risadas,elogios,ironias.
Eu escutava em off,falou outras coisas, as discussões que tinham, os tapas que ela recebia, e chorava apenas. Eu sentia asco pelo cara. Não gosto de violência. Se uma relação não dá mais. Já acabou, não precisa de dramas e ataques de orgulho ferido. Estas coisas tornam os finais uma merda maior ainda.Queria dar uma porrada nele por muito motivos, por me fuder no serviço descontando salário injustamente, por bater naquela mulher linda. Não se bate em mulher, mesmo que seja uma cadela.
Hoje eu estava andando pela rua, meu passeio de folga, habitual, momento de criação, onde penso ou não penso em nada, deixo fluir recebendo o beijo do vento.
Quando passo por ela. Era a dona Marta a esposa do patrão. Como o tempo pode ser cruel. A idade chega, ela estava muito alquebrada, eu a reconheci, e parei, infelizmente tenho boa memória, disse:
-Ola, dona Marta, lembra de mim?
Ela parou, ficou pensando um pouco, disse com voz rouca:
-Teu rosto não é estranho. Mas não lembrando de onde...
Eu sorri, e ela disse:
-Já sei, tu és um ex funcionário de meu ex- marido,na loja de carros.
Eu:
-Exatamente, apenas achei a tua frase cheia de ex, ex isso, ex aquilo.
Ela riu: é verdade, mas a vida e assim, agente vai mudando e aquilo que não tem consistência, vai se perdendo.
Achei a frase verdadeira, porem amarga.
Eu brigava com meus pensamentos, aquela mulher linda,de voz suave de antes, que inspirava minhas punhetas, agora estava ali, magra demais, com muitas rugas, o cabelo curto e algo branco, não me inspirava a nada.
Uma senhora de sessenta e cinco anos. Confesso que olhei bem para o corpo dela para ver se encontrava resquícios da mulher que foi. Olhei bem. Os seios ainda eram grandes, bem erguidos pelo sutiã. Não estava gorda, a barriga parecia rija.
Acho que ela percebeu, e riu:
-O tempo passa meu filho.
Eu concordei, e me despedi com educação. Não foi bom encontra-la. Entendo as realidades da vida, sei que se fica velho, e se morre.Sei. Mas embora a Marta real agora foi a que vi no calçadão,eu prefiro a que ficou na minha memória.
Aquela beleza ela nunca perderá, é eterna, é disso que tanto falo por ai. A vida é o momento, o segundo que se vive, eterniza tudo, constrói uma lembrança que jamais substituirá o presente, mas afaga a alma em esperança, só de pensar.
Lembrei das pessoas que amo. Que estão próximas e longínquas, vontade de abraça-las uma a uma, dizer mais uma vez o quanto são importantes.O tempo que se tem na vida não é o que se imagina, é este segundo, não o perca.

Paz profunda.
Luis Fabiano.

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