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quinta-feira, outubro 22, 2009



A formosura da doença

O mundo carece de beleza, somos unânimes em pensar, e vez por outra expomos isso, anexado em um mar de sombras que o cotidiano encena nas tragédias de toda sorte, fica-nos a sede, fome, a vontade de querer, um pouco talvez de beleza.
Como uma espécie de basta, não queremos ver as hemorróidas em”flor” que o mundo insiste em nos presentear, sim, queremos jardins e flores de verdade, perfume, eis a nossa sede, o nosso grito calado,porem nem tudo são flores na vida, as coisas são feitas de dores inanestésicas.
E foi naquele momento de dor suprema que Marina encontrou a paz que lhe faltava, santa ironia é verdade, tinha aquele ar de mulher bonita tipo perfeitinha, dessas que toda roupa cai bem, o penteado sempre alinhado,bem maquiada, mas o que lhe sobrava no exterior lhe carecia a consciência. E como vilã de si mesma, queria imitar os padrões que nossa cultura e sociedade impõe como ideais, bem, ninguém sabe quem deu o pontapé inicial na cabeça de Marina, queria ser magra, esquelética, ter seios fartos e bumbum arrebitado, um cabelo digno de propaganda de xampu, pernas torneadas,lábios carnudos,sobrancelhas afinadas e outras tantas coisas, se uma pessoa tivesse tudo assim, não seria um ser humano, mas antes sim um primo de Frankenstein.
Graças a tais ideias, com uma preguiça ordinária natural da criatura humana, queria tudo isso e sem esforço, sem esforço? Sua cabecinha linda matutara horas uma maneira de como atingir tais coisas sem esforço, e num momento de gênio com os olhos brilhantes, disse para si mesma:
-Isso, doença é a saída, tenho que ficar doente, assim ficarei magra e linda.
Foi como se tivesse descoberto a roda,desde então Marina esforçava-se para ficar doente, expunha-se a todo tipo de coisa perigosa, se era para visitar alguém em um hospital,mesmo que a doença fosse contagiosa, lá estava ela absolutamente feliz, entrava nos hospital, respirando a plenos pulmões,quem sabe algum vírus a pegasse?
Se a temperatura caía, vestia-se como se estivesse no verão, pouca roupa e pensava: Só uma gripe talvez, quem sabe com um pouco de sorte uma pneumoniazinha?
Cabe colocar que Marina estava magra, penteava-se longo tempo frente ao espelho, dir-se-ia que não tinha mais uma vida normal,nem trabalho,namorado, estudo nada apenas aquela beleza solitária e magra.
Na vizinhança, que sempre tem tempo sobrando para comentar da vida alheia, dizia-se que Marina estava fazendo curso pra modelo de passarela...dizia entusiasmada dona Ermengarda, fofoqueira absolutamente profissional, quando via Marina passando pela calçada( também pudera, ela não caminhava, realmente estava fazendo um desfile gratuito para todos, passava com uma indiferença, um ar de superioridade digna das top models...), e dona Ermengarda vaticinava:
-Essa aí vai ficar podre de rica, e quando ficar rica nem vai lembrar-se de nós...os feios,pobre e mortais.
Não preciso dizer que havia já uma espécie de rancor e frustração nas palavras da fofoqueira, que não era por assim dizer um padrão de beleza, apenas comparável a um hipopótamo!(sem ofensas ao hipopótamo).
Mas era tamanha a vontade de Marina que finalmente pegou uma doença, era um resfriado que lhe deixou de cama, não sentia fome, empalidecera,mas nunca se viu alguém tão feliz espirrava alegre, assoava o nariz como se tivesse ganho um presente verde! Em três dias estava curada, e ansiosa, precisava de uma doença mais forte, aquilo foi pouco, era uma verdadeira ambição as avessas.
Porem, pouco tempo depois pegou outra doença, era dengue, embora com o mal estar que a enfermidade causava, e sua fraqueza natural, estava exultante, os familiares achavam que Marina não estava batendo bem ou era a dengue lhe atingindo a cabeça. Mais uma vez Marina cura-se e volta a sua vida normal e sem graça de pessoa saudável, notará que estava mais magra ainda e sentia que seu plano dava certo, mesmo doente pintava-se como se fosse a um desfile.
Por fim em função da sua ansiedade, desenvolveu uma ulcera grave, não podia comer e foi emagrecendo mais, já estava concorrendo com uma caveira, porem ninguém entendia a felicidade de Marina, quanto mais doente mais feliz, as vezes é assim, um sacrifício é necessário para conseguir-se algo, ali naquele catre de dor e agonia a beleza sublimava a tudo,e no horror da doença realizava-se o sonho de uma alma, quase penada porem feliz!

Tudo na vida tem no mínimo dois lados, desejo uma boa doença a todos.
Luís Fabiano.

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