Pesquisar este blog

sexta-feira, junho 12, 2009


Dia dos Namorados

Rochele Drean abre os olhos, de um dia que deveria ser um dia marcante e definitivo em sua vida, muito embora é claro, ainda não soubesse disso,tantas coisas estão em possibilidades em nossa vida, que passam em silencio sem que lhe conheçamos os destinos, e nosso próprio destino. Rochele levanta-se, ao cair da tarde inicio da noite, veste o sol de negro e mais uma noite daquelas que era a sua enfadonha rotina de trabalho.
Ela era uma linda travesti e seu trabalho, dar prazer a homens e mulheres que buscavam algo “diferente”, prazer apimentado,
em meio ao deserto de suas vidas cujo o prazer máxima não ultrapassava o papai e mamãe e um boquetinho inibido.
Mas aquele dia Rochele não estava bem, havia uma tristeza em si, uma melancolia talvez, talvez uma saudade, daquelas que não sabemos muito bem de onde é ou do que é. Toma um banho e veste-se automaticamente como um zumbi, agora pensava nos tipos que iriam aparecer aquele dia, o dia dos namorados, estava preparada para o de sempre, maus tratos, grosseria, uma penetração desconfortável, uma ejaculação precoce e tudo terminava no pagamento final, pensava consolando-se: era trabalho, era trabalho. Mas aquele não era um bom dia, não era mesmo.,como se a noite estivesse mais negra, sem estrelas.
Encostada naquela parede insípida, palco de sua vida, circo de sua existência, tentava saber porque sentia-se assim, o que estaria ocultando de si mesma, que não conseguia ver? Passa um carro e nada...e outro...e nada. Carros passavam como seus pensamentos, e ela perdida em si, subitamente tem um breve momento de lucidez, percebe que queria carinho, havia passado mais de vinte e cinco dias de namorados sozinha, ou simplesmente dando para alguém desconhecido, mas nunca de fato havia comemorado um,como sentia-se mais do que feminina, beijos,abraços e presentes nunca recebeu.
Inventava justificativas que as pessoas solitárias inventam, frases feitas para auto-consolo coisas tipo: Esse é um dia comercial; esse dia é feito para ganhar dinheiro;Dia dos namorados é todos os dias pra quem ama; casados são eternos namorados; e outras tantas que as pessoas dizem friamente, mas que na verdade são fugas de tantas coisas que preferimos não ver, a verdade que Rochele parou para pensar em um momento, e doeu, doeu muito pensar sobre si, pois a verdade é coisa medonha!
Mas que fazer quando se quer um abraço de alguém que não existe? Um carinho de uma mão que não se tem? Um beijo de lábios que vivem em sonhos e utopias? Rochele foi deprimindo,
entendia muito bem seu mal estar, e aquela esquina torna-se abjeta agora (sempre fora, mas agora a via com os olhos da alma o que ela representava, fria sem glamour...),precisava sair dali, ir a algum lugar qualquer lugar,Rochele era o espelho do despertar humano quando olha-se no espelho, era preciso fazer algo urgentemente...
Foi para um bar próximo, desses noturnos fumarentos, musica tecno e pessoas por todos os cantos, casais abraçados a incomodavam, ardia na inveja atroz, todos conseguiam alguém para compartilhar a vida, e ela? E o que ela conseguia, uma companhia por uma hora talvez a um preço de cinqüenta reais? Era estranho mas quanto mais ela via aquelas pessoas felizes, tinha a impressão que a vida era um eterno dia dos namorados, como se os outros não tivessem problemas,como se a vida a dois fosse quiçá um paraíso? Bem a relação humana sempre teve problemas, desde os primórdios, ai estão Adão e Eva que não nos deixam mentir. Aquele lugar era insuportável, queria ficar isolada, sim sozinha, mas a vida não é simples, conheço bem a criatura humana ,e sei que o drama é a sua fatalidade, digo mais, pose e drama (Nelson Rodrigues e Wagner), o drama é profunda incapacidade de escapar de si mesmo,os estertores da autoconfrontação seja ela em nível for, por vezes uma decepção, por vezes uma doença, por vezes uma derrota, o rol de lamentações é interminável e o gestual é a pose, lagrima,raiva,ódio,amor e todos estes sentimentos que a maioria dos homens não tem controle e desconhece, a pose que veste-se bem.
Rochele volta a esquina carregando seu drama pessoal, drama oculto, desejo vazio, como uma naufraga ,tentava sobreviver ao mar bravio, mas aquela era uma noite negra em sua alma, sentou-se na esquina talvez a espera de um milagre,(milagres não existem,e deixe Deus fora disso, você é o autentico milagre e o autentico abismo, o restante é cenário é pirotecnia...), mas este não veio,
Rochele queria morrer, na verdade queria sumir, não havia escolha, são aqueles momentos de profunda decisão, em que nada ou ninguém pode fazer nada por você.
Abriu a bolsa prateada, puxou uma brilhante navalha herança de seu pai, e com a frieza de um iceberg ,foi lentamente cortando as veias do braço esquerdo, um corte profundo, caminho sem volta, o rutilo sangue vai inundando a calçada, enquanto Rochele começa a divisar as sombras do plano astral, as extremidades vão ficando frias, no frio daquela esquina esquecida de Deus, a respiração vai tornando-se superficial e o corpo ficando mole em uma espécie de semi torpor, de olhos semi-cerrados como um meditante, escuta ao longe uma freada, um veiculo estaciona e alguém se aproxima, já era tão tarde, e nos seus últimos instantes de vida alguém queria fazer um programa?
Quando um homem fardado se aproxima, e a chama numa tentativa de saber se esta viva, ele vê a navalha em uma de suas mãos, e percebe o que aconteceu, Rochele quase sem voz diz em sussurro:
-Eu não quero morrer sozinha...me abraça...me abraça, um abraço.

Feliz dia dos Namorados.

Fabiano
.

3 comentários:

Anônimo disse...

Que coisa horrivel para se postar Fabiano,imagino que você seja uma pessoa solitária,amargurada, deixada de lado.Lamento, vocÊ precisa perdoar-se de qualquer coisa.
Boa sorte.

Fabiano disse...

Criador,dai-me forças para suportar o jugo daqueles que pensam com o ânus!
Você acha mesmo isso?
Bom, posso dizer que estou disponível,interessada em me consolar,estamos aí...uma noite e tenho certeza que esta impressão irá passar...
Releia o texto várias vezes até ele começar a fazer sentido para você.
Beijo suave em alguma parte de seu corpo.

Anônimo disse...

Hoje voltei a ler seu Blog....como sempre seus textos estão ótimos.
Gostei desta estória.....uma realidade que acontece todos os dias no mundo todo,com pessoas de todas as classes sociais, e de várias idades....gosto da sua sensibilidade para escrever...uma pena que nem sempre lemos estas verdades, pena também que algumas pessoas não querem entender o que estão lendo...


Doca Michels