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segunda-feira, março 16, 2009

Ultimo suspiro

A vida é ou deveria ser para nós um mistério a ser decifrado a cada dia, quase todas as coisas que concebemos como prontas, certas e por sua vez inalteráveis são imprecisões do nosso perceber a existência, porque mesmo que invisivelmente aos nossos sentidos, todas as coisas a nossa volta são e estão diferentes do ontem e não serão iguais amanhã. Logicamente isso soa bastante estranho a primeira vista, mas pessoas que gostam de física, entenderam isso com alguma serenidade, é uma espécie de auto engano de nós para conosco mesmo, nos faz bem entender que tudo é igual...como uma pequena dose de veneno que tomamos homeopaticamente na tentativa de ludibriar o mistério de viver.
Nossos sentimentos não são os mesmos, nosso pensar não é o mesmo, nossos desejos também não...alguns desejos se apagam com o tempo, e assim vivemos a vida como se não fossemos partir, alias as pessoas tem ojeriza de pensar na Dama da foice, quando ela é tão natural e necessária como acordar e perceber-se vivo...
Juca sempre fora obeso, sua mãe desde pequeno o elogiava por suas banhas sobressalentes, e estranho mas ao menos antigamente todos acham criança gordinha bonitinha, bem hoje em dia elas praticamente já nascem bulemicas e anoréxicas como manda o “padrão” existencial de elegância e boa saúde, mas Juca ou Juquinha como era chamado, o contraditório de seu nome, crescera sendo sempre humilhado pelos outros em função de sua gordura,no entanto Juca era de grande sensibilidade, ele canalizara sua sensibilidade para artes, ainda na adolescência aprendeu a tocar violino, passava horas a fio perdido nas agudas notas do violino, havia momentos que arranhava-o com fúria, e outras era uma brisa tênue.
Sozinho,sem amigos, Juca cresceu se tornaria um adulto algo problemático, muito tempo sozinho e em contato com a arte, levá-lo-ia a ataques de insanidade eventuais.
Morava em um apartamento com os pais já idosos, quando do nada saia falando com seres invisíveis, como que os enxotando de seu quarto, gritava a plenos pulmões de forma insana:
-Saiam, saiam, filhos do demônio, filhos da puta...voltem para o inferno de onde vieram, crias do Diabo...
Falava isso babando-se e com os olhos esbugalhados, seu pai e sua mãe já estavam acostumados com seus ataques, já haviam percorrido a via sacra, de médicos, padres, espíritas, evangélicos e nada, parecia que nada fazia efeito no caso de Juca, justamente neste dia ia um Pai de Santo para ver se resolvia o problema de Juca, que todos tinham por possessão demoníaca.
A campainha toca e ao abrir-se porta se depara que aquele cidadão baixinho, gordinho,todo vestido de branco, com uma quantidade infinita de colares nos pescoço, falando com um sotaque de quem já está “incorporado de um preto velho”,um imenso charuto entre os dedos que faria Fidel sentir-se humilhado, pede licença arrastando os pés, dá dois passos dentro da casa e começa a respirar forte, já dizendo:
-Hum...hum...hum...ambiente carregado..hum..hum..trabalho forte aqui..hum...hum..
Neste ínterim, pede para ver Juca que no seu quarto, estava sentado olhando para o vazio como sempre gostava de ficar quando estava calmo e não tocando violino, o pai de Santo é introduzido ao local, e como por magia “negra”, Juca fica profundamente irritado, e começa a enxotar os demônios como sempre fazia, a esta altura o Pai de Santo, rodava, bufava, tossia,falando daquele jeito de preto velho e nada...e Juca:
-Sai daqui demônio filho da puta eu vou te devolver ao inferno com teu fedor...
Falava isso já cuspindo no Pai de Santo que a esta altura estava perplexo e assustado,atarantado mesmo, então Juca num gesto poético, arria as próprias calças e começa a cagar no meio quarto, o pai de santo já estava desincorporado a esta hora não sabia o que fazer, Juca põe-se a atirar merda sob as alvas vestes do pai de santo e em cima de todos que ali estavam, todos saem desesperados do quarto, fugindo porta a fora, enquanto a merda voava para todos os lados...Juca aos berros dizia: Tomem, demônios, tomem...
Esta foi a ultima investida da família na cura possível de Juca, naquele mesmo dia mais calmo, Juca pegou seu amado violino e tocou Adagio ao Luar de Albinoni, beleza infinita, levando as notas a mais sublime afinação, ninguém sabia o que se passava na mente e no coração de Juca, mas aquilo que ouviam, parecia ser tocando por anjos e não daquele homem repleto de fúria em eterno transtorno bi-polar,entre o amor e a insanidade...
Entendia, que ele exorcizava os próprios demônios, que na dimensão de seu pensar criaram vida e tinham formas, os espíritas pensavam que ele via os espíritos das dimensões mais inferiores da espiritualidade,mas Juca era um homem atormentado por suas próprias loucuras e sublimado por sua arte, podemos pensar que todos somos meio assim, se por um lado somos relativamente bons por outro algo carece, as vezes não percebemos muito bem o que seja, mas nosso proceder o sabe e nosso sentir o comprime.
Naquela noite Juca foi no banheiro, na madrugada, levara seu amigo violino consigo, sentou-se no “trono”e entre um peido e outro olhava o violino que estava diante de si, que ficava cada vez mais longe...longe.
Quando todos acordaram pela manhã, Juca estava no vaso sanitário de porta aberta e morto, o violino sobre a pia, tendo por base uma toalha branca,alva como uma alma, tal qual um templo ali estava adormecido...

Onde existem sombras é certo que também existem luzes.
Paz e luz em teu caminho.
Luis Fabiano.
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Albinoni, Adágio ao Luar:

2 comentários:

Anônimo disse...

Todos nós seres humanos temos nossos momentos de insanidade.....
alguns mais, outros menos.....outros já são tão puros, que são taxados de insanos....

Fabiano disse...

É, poderiamos dizer que todos temos nossos momentos, mas por outro lado um jamais desmerece o outro são a eterna e estreita ponte sobre o querer estar equilibrado,é claro neste caminho por vezes algo é perdido, o preço a ser pago por tudo.