Pesquisar este blog

quarta-feira, julho 16, 2008


Clarice

O tempo passa e embora eu tenha plena consciência disso, ainda me quedo meditando eventualmente sobre sua estranha magia, por vezes agressiva magia e raramente ou talvez subjetivamente algumas seres humanos se transformam em bom vinho, metamorfose da existência, do existir, que torna-se visível em nossos pentelhos nevados, não ria não, é a verdade muito interior.
E claro com essas experiências todas que a vida propõe, fica difícil não lembrar-se do que eventualmente marca ainda que seja uma marca deletéria. Eu vinha caminhando, passos de quem relaxa de breves momentos, olhando errante a paisagem de transeuntes em busca dos seus desejos, deveres, em busca de nada, eu caminhava, então vi na calçada oposta, a vizinha de uma antiga namorada que tive quando tinha 15 anos de idade, ali de me dei conta que como o tempo é cruel!
Clarice era muito chata,insuportavelmente chata.
Não pense que tenho prazer pessoal de apontar bizarrices alheias, mas é preciso ser realista e condizente afinal secretamente temos nossas aberrações, mudas, caladas, inconscientes, então saibamos fazer a catarse, rindo de nós mesmo. Clarice sem duvidas havia piorado muito, com toda certeza, na época que a conheci, ela fazia parte da Igreja do Reino de alguma coisa que não lembro bem, ela era crente até o ossos, tudo era proibido,tudo era feio,tudo estava errado, tudo era pecado, e como eu era e sou bastante sarcástico beirando a crueldade desmedida dizia horrores para ela, com o fito de escandalizar, claro, ter o prazer sadista a parte, era muito divertido olhar a cara de espanto dela, enquanto em meu deboche esporrava vitupérios e grotescas frases! Com isso é claro que ganhei uma inimizade gratuita, mas tudo na vida tem custo, esse era o custo da diversão, a indiferença de alguém que me era indiferente, certamente eu não teria drama de consciência algum,algumas maldades são assim.
Mas não sei quem foi mais punido pelo tempo, eu pela maldade de violentar princípios alheios por diversão, ou ela por sua limítrofe capacidade de ver e entender a vida sob uma angulação tão pecaminosa, no inferno ou não, o tempo a havia pego violentamente.
Clarice nunca foi uma miss, mas ela conseguiu piorar muito em todos os sentidos, claro gostaria de ter falado com ela, mas ela não se lembraria de mim, afinal ela com toda certeza não falaria comigo, ela seguia crente, cabelos longos e pelos espessos,(é que minha imaginação é fértil),caminhava rápido, com aquela saia longa de Maria mijona, a aparência era horrível. Enquanto Clarice desfilava pelo outro lado da calçada, eu pensava que caminhos a vida dela tomou, se é que tomou algum ? Pensava nestas escolhas humanas, que terminam por castrar a beleza possível em si, não falo de beleza física, falo de subjetividades, brilho único capaz de dispersar sombras que a forma por vezes dilapida, belo, feio,maravilhoso, terrível...que coisas são essas?Para quem sabe olhar estes conceitos castradores não passam de vozes desafinadas, nada mais.
Clarice se foi pela calçada a fora, e sua ausente companhia me fez companhia, queria que ela estivesse bem, mesmo não significando muito para mim, uma memória errante de um passado bestial, ela continuava a mesma vida, e eu o mesmo debochado, possivelmente eu não hesitaria em dizer uma piadinha a ela, talvez não risse também, pois afinal o tempo passa e os sulcos de nossas faces já viram e sentiram tantas coisas, algumas se tornaram prisioneiras e outras libertas da nossa alma.
Parei meu trajeto e virei para trás, e desejei a Clarice toda paz que lhe fosse possível, porque no final o que realmente tem relevância e neste breve instante de ser feliz que nossos caminhos devem propor.

Carinhosamente, aos que buscam ainda que por vias difusas.
Paz e luz em teu caminho.
Luis Fabiano.


Nenhum comentário: