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quinta-feira, junho 28, 2007

Do caderno de Notas de Philip

“É fácil pensar que precisamos modificar nosso modo de vida. A dificuldade é agir de acordo com essa crença. O fato de eu me instalar no campo, por exemplo;ser rústico, paternal e bom vizinho;viver uma vida vegetativa e intuitiva - será verdadeiramente possível?Imagino-o;mas na realidade – na realidade?... Por enquanto podia ser interessante engendrar uma personagem assim:um homem que sempre se deu o trabalho de favorecer suas tendências intelectualistas á custa de todas as outras. Evita o mais possível as relações pessoais, observa sem participar,não gosta de se abandonar, é sempre espectador preferivelmente a ator.
Por outro lado, sempre teve o cuidado de nunca distinguir um dia, um lugar, de um outro dia e de um outro lugar; de não passar em revista o passado nem fazer projetos de futuro no Ano Novo, de não celebrar nem o Natal nem os aniversários de nascimento, de não rever as paisagens de sua infância, de não fazer peregrinações às cidades natais dos grandes homens, aos campos de batalha,às ruínas e assim por diante.Por esta supressão das relações emotivas e da piedade natural, parece-lhe ter atingido a liberdade - a liberdade com relação á sentimentalidade, ao irracional, a paixão, ao impulso e emotividade.Mas, na realidade, como descobre pouco a pouco, ele não fez senão estreitar e dessecar sua existência;e, alem do mais.embotou o seu intelecto graças ao próprio processo que deveria, julgava ele, emancipa-lo.Sua razão permaneceu livre- mas para se ocupar somente com uma pequena fração dos fatos da experiência.Ele percebe seus defeitos psicológicos e deseja, teoricamente, modificar-se.Mas é a difícil vencer hábitos de todas a vida;e talvez os hábitos não sejam senão a expressão duma indiferença e duma frieza inatas, que poderia ser quase impossível vencer.E para ele, em todo o caso, a vida simplesmente intelectual é mais fácil;e a linha de menor resistência, porque é a linha que evita os outros seres humanos.Entre estes, sua mulher.Porque ele teria uma mulher, e haveria elementos de drama nas relações entre essa mulher, que viveria principalmente com suas emoções e suas intuições, e ele, o homem cuja existência se mantém sobretudo no plano intelectual abstrato.Ele a ama, a sua maneira; e ela o ama, também de um modo todo particular.O que significa que ele está satisfeito;mas acontece que ela não está;porque o amor, tal com ele o concebe, comporta o mínimo dessas relações humanas quentes e confiantes que constituem a essência mesma do amor, segundo a concepção dela. Ela se queixa disso;ele quisera dar mais, mas sente dificuldade em se modificar.Ela o ameaça mesmo deixa-lo, preferindo um amante mais humano, mas ama-o demais para por a ameaça em execução.”

O contraponto.

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