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quinta-feira, março 01, 2007

Ser, de mim...

“...Phil tomou do livro e começou a procurar a pagina onde tinha parado.Ou acaso não existia um Eu? - pensou ele.
Não, não aquilo era insustentável, aquilo contradizia a experiência imediata.Olhou por cima da borda superior do livro, para o enorme clarão azul do mar.O caráter essencial do eu consistia precisamente naquela ubiqüidade liquida e indeformável;naquela capacidade de esposar todos os contornos e de não ficar, no entanto,fixando em nenhuma forma;receber impressões e com a mesma facilidade apaga-las.A todos aqueles moldes que seu espírito podia ocupar de tempos em tempos, todos aqueles obstáculos duros e ardentes que eu espírito podia contornar, submergir, penetrando-lhes o coração fogoso e permanecendo no entanto frio - a todos aqueles moldes Phil não devia nenhuma lealdade permanente. É que eles eram esvaziados com tanta facilidade como tinham sido enchidos; os obstáculos eram contornados. Mas o liquido essencial que escorria onde queria, o fluxo frio e indiferente da curiosidade intelectual - esse persistia e a ele Phil devia lealdade.Se houvesse um modo simples e vida em que ele pudesses crer de maneira durável, esse seria aquela mistura de pirronismo e de estoicismo, que lhe havia dado a impressão, a ele, simples colegial curioso no meio de filósofos , de ser o cume da sabedoria humana; e dentro desse molde de indiferença cética ele derramara a sua adolescência sem paixão.Phil se rebelara muitas vezes contra s suspenção pirronica do juízo e contra a imperturbabilidade estóica.Mas teria sido alguma vez realmente séria tal rebelião?Pascal fizera dele um católico - mas somente duramente o tempo em que o volume dos Pensamentos permanecera aberto diante de seus olhos. Havia momentos em que, na companhia Carlyle, ele tinha acreditado no ardor pelo amor ao ardor. Então vinha Rampion.Depois de alguma horas passadas na companhia de Rampion,Phil acreditava realmente na selvageria nobre; convencia-se de que o intelecto orgulhosamente consciente devia humilhar-se um pouco e admitir as reivindicações do coração - sim, e das entranhas, dos rins, dos ossos, da pele e dos músculos - a uma parte razoável de vida.O ciração de novo!Burlap estava acertado, embora não passasse dum charlatão, duma espécie de escamoteador trapaceiro de emoções. O coração!
Mas fosse qual fosse seu procedimento.Phil sabia perfeitamente bem, nas profundezas secretas de seu ser, que não era católico, nem partidário da vida ardente, nem místico ou selvagem nobre. E embora desejasse algumas vezes, com nostalgia, ser uma ou outra coisa, ou todas elas a um tempo, sentia-se sempre secretamente alegre por não ser anda disso e por achar-se livre,mesmo que essa liberdade fosse, de modo estranho e paradoxal, um obstáculo e um limite ao seu espírito.

Paz.

Aldous Huxley.

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