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segunda-feira, dezembro 30, 2013

A espera



A espera

Finda um tempo, com desejos silenciosos aglutinando quase desespero no peito. Aqueles eram tempos bons, tento não ser nostálgico, pois nostalgia é de uma inutilidade barbara. Nada para o tempo, nada espera, e somos consumidos pelo tempo meio que rapidamente. Tu piscas os olhos...e já era...vinte anos.

Mas todo o caso vou lembrar com vocês. Tudo tranquilo se não quiseres ler, pode ir fazer outra coisa.
Cada ser humano carrega suas merdas... eu carrego as minhas também...e você certamente também. Talvez se diga: era mais uma buceta? Mais duas bucetas? Mais três? Mas que merda...nem tudo acaba por ser bucetas. Eu sei disso. Não é assim...

Eu conheci Fátima a muito tempo. Professora, casada e amante da arte. E tudo era tão puro que chegava causar asco. Mas lembro com ternura.
Fatima me deu aulas de teatro... e como sói iria acontecer aos que amam arte...acabamos nos envolvendo. O marido dela... era um extremo esquerda aliado ao partido... vivia na luta extrema, “contra os burgueses”... e Fatima era um céu aberto... respirando sonhos, vivendo uma novela mexicana de péssimo gosto com aquele cara.

Aconteceu o que não deveria acontecer. Nos envolvemos... eu era casado e ela também. O crime une, o crime cria a cumplicidade, o crime compensa. Acho que comecei a ser fio da navalha ali. Minha esposa era opaca perto de Fátima, e não vou falar dela. Tudo que ela sabia era, manter tudo no lugar, tudo hermético e tão certinho... aquilo me irritava profundamente. Mas coisas do casamento. O casamento é feito para você aprender a aturar as merdas da outra pessoa em nome do amor. Definitivamente amor não é isso. Não posso acreditar que seja. E se for...eu prefiro morrer na solidão.

O esposo de Fatima...era duro, respostas ásperas e fodas rápidas. Ele não conhecia a própria mulher. E você será que conhece bem a sua? Sabe os segredos que ela esconde...e sobretudo, você a faz feliz? Pois é... aquele cara tinha uma mulher fantástica... e tudo que ele queria que ela fosse extrema de sua esquerda...mas ela era arte.

Um dia perguntei a ela porque havia casado com aquele cara? Ela sorriu... e disse que tudo foi um engano... sentia-se carente... então Mário apareceu... que tinha tanta convicção, tantas certezas e ela não tinha nenhuma...ele parecia ser sensível e casamento rápido. Merda. Depois o lobo mostra os dentes e garras...ele era político ao extremo... vivia a luta revolucionaria encerrando em si um monte de convicções que o tempo se encaminha de desfazer.

Aos que aprendem a ver. Muitos ainda não aprenderam a ver. Um abismo entre eles foi criado. Então o casamento passou a ser a forma, o molde social de apresentação bem sucedida da sociedade. Ual.
Ali estávamos nós, juntos. Passei a leva-la para casa a noite caminhávamos devagar, as vezes de mãos, olhávamos para os lados e nos beijamos na rua perto da meia noite. E aquilo era tão bom...a paixão é uma coisa boa... não havia planos, demos o foda-se para os nossos parceiros. O coração é foda. Poderíamos mudar o jogo? Simplesmente acabar com nossas vidas certinhas...e depois ficar junto em nome do amor?  E por um instante eu disse:

-Fatima... vamos mandar tudo a merda...tudo, minha esposa, teu marido...a merda com eles...e vamos ficar juntos...e depois a gente vê...

Olho seus olhos. Olhos castanhos, brilhantes e um cabelo negro que descia abaixo do ombros, sorria com doçura e encantamento:

-Fabiano... eu não posso... tenho meu filho...ele precisa de mim... não é bem assim, não tenho como mudar tudo assim...

Como que pressentindo algo em mim, deixei ficar assim. Não queria força-la a nada. Não se força ninguém a nada. Se vive tranquilo se possível. Eu queria o que não palpável em Fatima, sem promessas, sem tratos... viver apenas viver o mais intensamente possível.
Silenciamos o assunto.

Nos dias que se seguiram estávamos bem. Mas como algo que não pertence a este mundo... algo que com garras ferozes nos atinge, com se toda felicidade tivesse que ter um fim... porque? É assim mesmo?
Mario o marido de Fátima, havia conseguido uma transferência para o topo do país. La no Maranhão. Havia uma revolução no Maranhão? Mas que porra era essa? Uma revolução maranhense?

Naquele dia, ela chega a aula de teatro e tem um semblante carregado de uma tristeza inominável. Eu prestava atenção nela, ela não me encarava os olhos. Um peso silencioso tornava sua alma um chumbo sem brilho. Fiquei ansioso... queria saber o que havia? Durante a aula Fatima estava ausente...e um momento chorou sorrindo. Por fim, duas horas depois a aula termina. Ficamos a sós.

-Fatima... o que foi? O que há?

Ela sorri sem graça, e ainda sim parecia tão linda...tão leve, como uma dor que não se quer causar...uma dor sem drama... uma dor se música. Meu coração esta opresso, um rasgo de algo não entendido... por fim ela fala:

-Fabiano... eu to indo embora. O Mário foi transferido para o Maranhão... e ele já arrumou tudo...e vamos para lá em quinze dias... tu entendeu?

Aquilo significava o fim. Nunca lidei muito bem com finais. Como um frio que vem do intimo aquilo me atingiu violentamente. Porque? Que porra era essa? Porque tinha que ser assim? Hein? Era uma punição divina? É isso? Assim se acaba algo... que era bom, belo e leve? Mundo de merda... uma boca afiada de um tubarão consumindo a alma.

Nos abraçamos e começamos a chorar... iriamos nos perder... um perder para sempre? Sem dúvidas.
Me sentia perdido. A vida tornou-se algo horrível... a vida sem Fatima não seria nunca mais a mesma. Ficamos abraçados, chorando silenciosamente, as palavras eram tolices que nada poderiam amenizar.

Aquele dia eu a levei para casa... poucas foram as palavras. Entrei em sua casa e transamos apaixonadamente, não voltei para casa aquela noite. Bem, os dias que se sucederam foram como uma despedida lenta. Os moveis de sua casa começaram a sumir lentamente, como se desmaterializando, a mesa, as cadeiras, os guarda roupas a louça da cozinha... Fatima sumindo devagar. Os quinze dias foram os mais terríveis que vivi... pensei coisas terríveis... que talvez fosse melhor estarmos mortos a viver isso.
O quanto vale o amor?

Ela não poderia se livrar de tudo? Mandar o emprego, o marido as favas e viver comigo? Eu perguntei a ela isso... ainda tinha os vínculos da família...uma família que tem muita grana. Mas não... não era possível. Eu amaria mais que ela? Ou eu era mais irresponsável que ela? Eu sempre fui meio porra loca.

Por fim os quinze dias se esgotaram rápidos, vertiginosos. No dia que ela ia embora, eu fui até a casa dela, uma casa vazia. Ela abre a porta, me beija... tentamos prometer que vamos comunicar... que vamos tentar mesmo a distância ficar juntos.
Então chega a hora. Ela abre a porta nos olhamos, nos beijamos e saio caminhando pela Barão de Sta. Tecla, quando chego a esquina viro para trás, ela ainda esta a porta... e chora copiosamente...eu também, ergo a mão...e aquele adeus foi a última vez que a vi. Nunca mais.

O tempo passou, o tempo que parece consumir muitas coisas...mas aquela lembrança ficou. Eu a procurei como pude depois, mas ela parecia ter desaparecido deste mundo.
Pessoas desaparecem...todos os dias.

A verdade acaba sem acabar... hoje eu não sei se Fatima vive, se morreu... se foi abduzida, ela simplesmente sumiu e os rastros que ainda existem são de minhas memórias. As vezes passo pela Barão de Santa Tecla...e casa que ela morou ainda esta lá... como um tumulo fechado para alugar...e só.



Extraído do Livro: O beijo Sujo

Autor Luís Fabiano.


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