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domingo, abril 14, 2013




Francisco, Getúlio, Suzana e eu.

Por vezes você se cansa de pensar em si mesmo. Talvez por influencia de uma leitura, que estava fazendo no momento. Por vezes movido pela passionalidade, mergulho fundo...  Tento ser o que não sou.

A sombra em um meio dia, tentando imitar o sol... O sonho, o devaneio repleto de visgos de baba. São Francisco fazia em mim um desejo violento de ser bom...  Uma bondade idealizada, em um sentido totalmente desprendido. E nisso sempre creio. O amor é um movimento livre... Apenas de ida... Se ele precisar de volta... Ainda é um amor pequeno, um amor anão... Um meio amor ou troca de favores.

Deixava-me levar por tais pensamentos. Eram tão dignos que nem sequer me reconhecia. Um espantalho tendo sonhos humanos. Havia em mim um pouco de inocência estupida. Todos temos direito.
Foi assim que deixei o livro descansando sobre a cama. E fui em direção ao asilo, um deposito de humanos um ferro velho de almas, isso, tentaria exercitar o que havia lido lá.

Estava eivado de Francisco...  E tinha tanto que se podia fazer por aqueles que não conhecemos? É fato. Era um domingo como este, o sol brilhava limpo e tudo que eu queria é ser bacana com alguém...  Sem querer nada secundariamente. Queria sentir o que Francisco sentiu... Pretensão? Talvez...  Mas como uma droga eu queria essa sensação. Conseguiria? Não sei. Só querer por vezes não basta, outras coisas ocultas pesam na balança.
Cheguei ao asilo. A frente silenciosa era a face cansada de quem passou pela vida e agora quando teria tanto a dizer... E ninguém para ouvir. Uma senhora vestida de freira que estava a porta, me questiona:

-Pois não senhor?
-Vim visitar os senhores deste local...

O olhar dela percorre minhas roupas, franzi a testa numa desaprovação... Nítida, mas deixa-me entrar. Afinal os lugares temem tudo...  Minhas intenções não tem um cartão de visita. Aquilo não me caiu bem. Entrei e deixei a velha para trás, e sua cara feia.

E agora Fabiano? Pensei... Como conversar com alguém que você nunca viu? Mas ouvindo a minha voz interior... Como dizia Francisco, me sentei em um dos muitos bancos disponíveis. Era preciso observar o ambiente. Senhores e senhoras andavam por ali... E não conseguia captar a felicidade. Afinal a historia era real. Eles viveram um tempo de uma vida ativa, trabalhando cuidando dos filhos... E agora não havia mais espaço para eles? Os filhos de alguns os havia jogado lá... Ficaram com suas casas e salários? Ninguém sorria lá. Fui tomado por esta energia.

Pensei em mim... Pensei no futuro... Pensei que talvez algum dia se iria me tornar velho... E o que seria? Realidade afiada transpassando a alma... Eu teria coragem de ficar assim? Digo... De permanecer vivo? Não sei. Não sei.
Estava perdido em meus pensamentos, sentindo o cheiro daquele lugar, que embora limpo, tinha um cheiro antigo, carregado, cheiro do tempo algo parecido com livros úmidos.

Então um senhor se aproximou de mim... Sentou-se, e tinha um ar leve. Alguém estava sorrindo então:

-Boa tarde pra você – ele disse.
-Boa tarde pro senhor também...

Houve um silencio, como se as energias precisassem conectar-se... em algum lugar de nossas almas.

-Nunca o vi por aqui... E você, acho que não frequenta muito né...
-É verdade... Mas hoje vim a aqui... Para conhecer...
-Mas que bom... Que bom... Como você se chama?
-Fabiano... Muito prazer... Senhor?
-Getúlio... Como o ex-presidente... Mas ele não teve tanta sorte...
-Seu Getúlio... Desculpe a curiosidade... mas como o senhor veio parar aqui?
-Longa historia filho... longa... Mas eu posso dizer que não havia mais espaço pra mim... Na vida dos meus filhos e parentes... Então aqui estou.

Engoli em seco. Por vezes os espaços são roubados, por vezes não servimos para mais nada... Então é preciso um deposito. Ele seguiu:

-Bem... Acho justo para ser sincero com você. Eu detestaria estar atrapalhando a vida de meus filhos... Nunca seria um estorvo em suas vidas. Depois que a falecida se foi... Bem tudo ficou com pouco sentido. Mas tudo bem... É o que Deus quer.

A esta altura, meu coração estava apertado. Não sabia exatamente o que dizer... Mensagem e otimismo? De onde... Deus quer?

-O senhor amava a sua esposa?
-Nossa... Difícil de explicar... Era o amor da minha vida... Minha única mulher... nunca tive outra. Minha primeira mulher em todos os sentidos entende? Namorada... na cama...na vida... Éramos um do outro...

Os olhos dele se encheram de lagrimas. Minha pergunta errada. Pedi desculpas.

-Que nada filho... que nada... São lembranças de um velho bobo...
-Não me lembro de ter amado assim na vida... A ninguém...
-O amor é que nos escolhe... As vezes é uma questão de tempo...
-E hoje seu Getúlio... O que o senhor deseja na vida?

Ele olha para o alto... Seus olhos brilham como estrelas cintilantes em uma noite límpida, ele torna a sorrir com suavidade... e diz:

-Não desejo nada mais aqui, desta vida filho... Quero que o dia... Que Deus resolver me levar daqui... Que eu possa apenas tornar a encontrar a Suzana... Isso seria a melhor coisa... Não quero mais nada deste mundo...

A resposta dele encheu o ambiente de luz... eu me senti bem, ele também. Então ele se levantou dizendo que iria tomar café... ele só servem agora, se perdesse... Que na semana próxima quisesse aparecer... ele estaria ali...
Agradeci e o seu Getúlio, se foi. Levantei... e passei na frente da capela vazia... Aquelas imagens pareciam sorrir... Fui embora.

Na semana próxima, voltei... Quando entrei na porta a freira mal humorada me recepcionou, da mesma forma. Quem disse que estar perto de Deus, deixa as pessoas melhores?

Entrei, e sentei no mesmo banco. Fiquei observando. Mas desta vez nada aconteceu... o seu Getúlio...não apareceu. Então como antevendo o que viria... Perguntei para uma das enfermeiras...

-Por favor, senhora... O Seu Getúlio... Onde esta? Tá doente?

O rosto dela traduz certa tristeza.

-Lamento... Mas seu Getúlio faleceu na noite do domingo passado...

Fiquei em silencio. Ela se foi para suas atividades. Pensei em Francisco... Pensei em meu querer... Pensei o quanto a vida é o que é... Deixei uma lagrima escorrer.

Por fim lembrei-me da primeira e ultima conversa que tive com seu Getúlio, falei sozinho:

-Seu Getúlio... Que possa ter encontrado a dona Suzana...

É, acho que sim.


Luís Fabiano.



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