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domingo, novembro 25, 2012



O herói e as zonas de inquietação

A condição não era das melhores. Terrível presenciar crimes, e ficar ao mesmo tempo, perplexo com o que um ser humano é capaz de fazer. Não tenho duvidas que cada um de nos, em algum momento, é capaz de coisas complicadas...  De se complicar, seja lá o motivo que nos inspire... A questão é essa, na hora as coisas parecerão sempre justificáveis.

Eu estava vindo e parei naquele muro encardido para dar uma mijada. Então a mulher surge com um pacote, pacote imóvel, flácido e o joga na lixeira. Pensei, lixo é lixo. Mas como uma impressão desagradável que me move, aquilo me pareceu estranho.

Porque ela se esgueirava? Como se tivesse se escondendo? Uma atitude suspeita. Sou assim, desconfiado da própria sombra, foda-se, não consigo ficar desligado, tudo é esperado, tudo é possível, e a qualquer momento uma merda vai acontecer... Porra Fabiano...
A mulher se afasta rapidamente, depois de despejar o lixo. Tenho em minhas mãos uma garrafa de rum pela metade. Quando não mais a vejo, vou até o lixo. Abro o latão e não creio no que vejo... Uma criança? Morta? Viva? Meu peito dispara como um raio, e naquele momento, minha frieza se desfez... A criança estava suja, com o cheiro típico de nascimento, sangue, liquido amniótico e lixo, ainda tinha o cordão umbilical...  Infelizmente parecia não respirar.

O desespero me apanha... Eu a tiro dali com muito cuidado... Ela não respirava, meu olhar mergulha no céu, como um pedido silencioso da agonia... Misto de carinho pela criança, indignação com o Criador..., porra porque cara? Hein? Lembrei que trabalhei no hospital e sabia os primeiro socorros, no caso de uma parada cardíaca... Dobrei o cordão umbilical como pude... pois saia um liquido dali... E massageei o pequeno coração do pequeno... depois colei minha boca em sua boca e soprei ar... Fiz a operação algumas vezes... Quando estava no estertor de uma derrota... A criança respira... Ela respirou? 
Ela respirou... ela respirou... Ta viva...
E mesmo sem nunca tê-la a visto, eu a abraço como um próprio filho que não tive, ela tosse um pouquinho... E seus olhinhos se abrem para este mundo... 

Puxa, desejei que ela tivesse visto coisa melhor que a mim... me acho estranho, tocado e feliz... Ela me olha bem nos olhos, e seus olhinhos são verdes e brilham... Tiro minha camiseta e a enrolo e a levo para o hospital... Afinal deu tudo certo. As vezes é assim.
Na emergência do hospital, confusão, policia, agitação eles a levam... Mas ela esta bem... Mas e agora? Eu a perdi? Qual será seu nome? Não a verei mais? Ou nossas almas estarão para sempre ligadas pelo elo da vida e morte?

Quando acordei... Meu coração estava apertado, acordei chorando como uma criança... Por um breve instante que pareceu tão real, pude fazer algo bom para alguém... E como tudo depois, as coisas se perdem...
Gostei de ter acordado, e ao mesmo tempo não gostei. Estava de volta a realidade. Madrugada de sábado imerso em solidão. Abro a janela, as ruas estão calmas alguns carros vagabundos passam... Ambulâncias gritam, estou inquieto, não sei se saio, não sei bebo, e todas estas coisas parecem tentações pálidas depois daquele sonho.

Fui até a cozinha e bebi da garrafa de rum pelo bico mesmo, puro e sem gelo. Precisava acalmar o coração, que agora recordava memorias duras, perdas e mais perdas... e mais perdas. Quantas vezes é preciso perder, para que o Criador fique satisfeito?

Realmente estava me sentindo mal, numa zona de emoções dilacerantes cuja possibilidade de solução é remota. Onde eu enfiaria minhas mãos, para arrancar aquela sensação? Meu coração batia forte, numa espécie de taquicardia frenética. A merda é saber que não há uma única pessoa neste mundo capaz de resolver isso... Uma queda de braço entre as vísceras, o espirito e o coração. Poético mais medonho. Tente.

O melhor a fazer é anestesiar tudo, o mais rápido possível. Dediquei-me a beber o restante da garrafa, é muito melhor uma ressaca, do que fiados destroçados da alma em um liquidificador...
Bebi, e o turbilhão pareceu se acalmar. Desejei sonhar novamente...  Há uma região atemporal no espaço que nós todos podemos ser felizes, aonde a simples quietude nos conduz a graça, onde os desejos se calam, onde conflitos encontram descanso, e você se move sem esbarrar em nada... sem choques.

Quando acordei pela manha, a dor de cabeça muito forte, mas estava em paz... Então ouvi um choro de criança...


Luís Fabiano.


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