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sábado, janeiro 07, 2012




Cuidado com o que você deseja

Aquela vagabunda de outrora, havia se precipitado violentamente. Mais uma vez estava eu envolvido em uma tremenda confusão. Falar a verdade é vicio terrível, nem sempre estamos dispostos a entender... nem sempre queremos ver... queremos antes que a vida se molde ao ideal... um ideal torto, deformado e acéfalo... as linhas deformadas por nossas peias mais brutais.

Nossos melhores sentimentos são cativos de nosso pior... o nosso pior desejar ter asas para jogar-se do abismo... mas esboroa-se ao solo. O humano é filho das melhores e piores emoções, um feto oscilante... sempre querendo o melhor... sem saber muito o que é...

Lídia era bonita... linda... uma morena talhada para o pecado, seios grandes... bicos suculentos... um triangulo de pentelhos na xoxota. A xoxota era a perfeição... grande por fora e pequena por dentro, sempre tive em mente que elas devem ser assim.

Praticava a mais antiga das profissões. Fui seu cliente... depois nos tornamos amigos... amantes... e quase chegamos ao abismo do casamento. A sua profissão não me afetava, considero normal.

Quando se aprende que sexo é sexo... e as emoções que emolduram a vida são intransferíveis. Essa fronteira fica nítida nos empurrando para uma verdade... uma verdade não muito bonita porem pura... como uma droga refinada. Ela abria as pernas dia após dia, para homens... mulheres... travestis, para mim era apenas uma gaveta de caixa registradora... escancarando a vagina... e a fechando com o dinheiro do cliente. Acabou o negocio.

Porem o visco que traçamos nos nossos melhores quereres, por vezes perturba tudo. Não sou o tipo ciumento... que me lembre jamais senti ciúmes por qualquer mulher que tive. Poderia ser talvez excesso de segurança... algumas entendem como falta de amor... falta de atenção... carinho... respeito... porque entendem assim?

Porque estamos acostumados com a emoção acompanhando nossas doenças... a falta da doença nos suscita doença, estamos acostumados com preço alto daquilo que damos e esperamos receber das coisas... da saúde fugindo da doença... da harmonia tingindo-se de fragmentos refletindo no espelho de um ideal inalcançável!
Somos assim... corrompemos tudo a nossa a volta, porque nossas doenças falam mais alto.

Enquanto Lídia era apenas puta... uma alma puta e voava leve como uma garça... pairando acima de toda a merda existencial... ainda que mergulhada nela.
Gostava de ouvir seus casos eróticos, seus contos sensuais escritos na verdade do corpo. As vezes depois disso transávamos embriagados de historias. O cheiro dela... misturado ao dos clientes... bons cheiros... cheiros de suor azedo... as vezes perfumes quando era uma mulher... sua boca com gosto e cheiro de outra xoxota, uma suruba etérea.

Mas o tempo foi cravando suas garras viscerais na jugular das emoções. O tempo aprofunda tudo... doenças...e saúde... tempestades...e inquietações, e por uma força quase incontrolável desejamos mudar tudo. Sair dos trilhos...voltar a eles saudoso... se for o caso.

Numa sexta feira treze, ela acordou e me disse:

-Fabiano... cansei de ser puta... não quero mais, chega!

Eu estava bocejando.

-Ok baby, tranquilo... se você acha...
-Não acho não... tenho certeza...quero ser mulher direita... pessoa direita...
-Pra mim tu nunca foste uma pessoa não direita... és uma mulher fantástica...
-Sou puta...entende...putaaaaa....

Senti um arrepio no espinha. Transformações radicais são coisas complexas... ou se tem certeza do que se sente e não se volta... ou você é um demente sonhador, fala estas merdas... sem sentir exatamente assim... você quer sentir... mas nada existe.

Não sabia qual era a de Lídia. Relaxei meu pensamento. Se saísse da prostituição... tudo bem... se não saísse, tudo bem.
Eu não pretendia mudar nada. Sou assim. Só mudo quando sinto uma convicção interna, a razão de não carregar nenhum arrependimento em minha vida. Tanto de minhas canalhices que não foram poucas... como também de algumas coisas boas que fiz. Deito e durmo, nada existe, sou bem desapegado.

A partir daquele dia Lídia passou a ser outra mulher. Passou a se comportar como uma convertida hedionda. Desenvolveu um alto grau de julgamento quanto as pessoas, dizendo coisas:

-Como as pessoas podem fazer isso? Como podem ser prostitutas? É inadmissível isso.

Olhava para ela como um monstro sendo gestado nas entranhas do demônio. Não gostava da nova versão de Lidia moralista. Parecia estupida demais... mas a doença estava presente enrodilhada em seu coração... coisa transmissível.

Então ela passou a tentar me controlar. Tinha muito tempo pra isso... tentava achar emprego aqui em Pelotas. Mas nada era fácil. Sabemos que não é fácil mesmo. Eu trabalhava... chegava a hora que achava que devia chegar, fazia o que achava que devia fazer... nossa vida foi se transformando um inferno de brigas cotidianas. O melhor invadindo nossas vidas. Sentia saudades da puta.

-Onde o senhor estava seu Luís Fabiano?
-Como é?
-Bar... com vagabundas... né ?
-Tinha algumas... mas nada interessante, relaxe tudo bem...
-Tu falas isso com essa calma? Eu sou tua esposa... tu me deves respeito...e muito respeito.

Tentei não me irritar. Mas sabia que havia começado uma luta... que deste ringue só se saia nocauteado. Que fosse ela, foda-se. Fiquei em silencio. Mas a doença instalada berrava. Senti-me nestes dramas baratos da novela das oito.

-Lídia... onde está puta que eu conheci? Uma mulher segura... forte...estável...? Cadê ela?
-Fabiano eu sou uma mulher direita agora, viu...
-Direita? Você ficou foi louca... Lídia... eu tenho saudade da puta... por favor volte a ser puta...
-Aquela mulher não existe mais... e tu deverias me ajudar a ser melhor... que merda de amor é esse que tu me empurra para o fundo? Isso que queres de mim?
-Lídia estamos em um beco. Eu não preciso de Madalena arrependida... me controlando... alias não preciso de ninguém... absolutamente ninguém me controlando.
-Tu queres meu pior... tu não presta mesmo como me disseram... sai da daqui cara...

Meu coração batia com alguma tranquilidade. Não tenho ímpetos de violência, nem gosto... ao menos não com mulheres... fui ate a cozinha e peguei um saco de lixo grande e preto. E fui colocando minhas coisas ali... sem dizer mais nada mais.
Mais uma vez isso pensei.
Ela começou a gritar palavrões... me elogiando. Mas fui rápido. Quando ganhei a rua...e a porta se batia atrás de mim num estrépito que ecoava, pensei: como é difícil querer o melhor... saber que é o melhor... a porra da vida tem um maldito preço pra tudo... nada é gratuito. Acho que eu estava errado... eu pagava o preço de minha leveza.



Luís Fabiano.

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