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domingo, dezembro 11, 2011

Conto Maldito de Natal-Parte 2



Conto Maldito de Natal


Parte 2

Então como ave fatal do desterro, a proximidade entre eu e Zéfiro, trouxe as laminas da verdade, uma verdade horrível. Não que me sentisse surpreso, uma coisa é verdade, tudo muda dentro de nossas concepções, quando o cheiro terrível da merda infernal chega ao nosso nariz. Não há mais distancias seguras para nós, somos viajores da mesma embarcação que nos conduz ao fim.

Desço para colocar o lixo, Zéfiro encostado no lixão... meio que misturado a ele. Olho o seu rosto e entendi na hora. A primeira pedra na sua vida. Uma pedra que talvez fosse o alicerce para sua própria prisão.

Ele me olhou e sorriu chapado:

-E aí tio... to curtindo... há ,há... to curtindo é muito loco...

Fiquei incomodado:

-Que tu fizeste Zéfiro...?
-Pedra tio... pedra boa...que uma?
-Não amigo... eu passo... tu sabes o que isso faz dentro de ti?
-Faz eu me sentir bem... faz eu não sentir fome... faz eu pensar em coisa legais...
-Não... Zéfiro... tu vai precisar desta merda pro resto da vida...
-Que vida tio? Eu não sou nada... tu ainda não viu...
-Não precisa ser assim...

Eu era um animal atado a um moedor de carne, que lentamente ia me tragando para dentro de tuas entranhas, me engoliria vivo, transformaria meu viver em massa disforme de dor e sangue.

Uma clausura imposta pela impossibilidade de alçar o voo. Realmente não sabia o que fazer... não queria dar um foda-se e voltar para o quinto andar indiferente.

Minhas palavras eram vapor tentando deter um trem sem controle. Senti um gosto amargo:

-Tio o senhor vai me ajudar?
-Não sei como Zéfiro... embora tu não saibas... quando fazemos certas escolhas em nossa vida... essa decisão ou te libertará... ou se transformará em uma cadeia... no teu caso... crack... vai ser a tua cadeia...cara... para com isso.

Ele me olha e cospe no chão algo sanguinolento. Se ergue e fica me olhado... um olhar indecifrável. Queria ouvir mais da sua historia. Não pensava em escrever, mas existem tão poucas pessoas que tem algo a dizer... algo que valha a pena. Não me interessa dores ignóbeis de uma futilidade ferida, gente que desconhece a vida, gente que desconhece o cheiro real vida que não é filtrado pelos perfumes caros.

Zéfiro me aperta a mão, e vai cambaleando pelas ruas de Pelotas. Lembrei do clipe do Rappa, a música o Salto... onde um pai anda com seu filho por todos os lados, não consegue emprego, não tem dinheiro para pagar a hospedaria... bebe um pouco de cachaça, anda para todos os lados onde as portas se fecham como olhos cegos de Deus... então sobe em um prédio alto com a criança nos braços...e...pula...e a cidade tremeu...como uma bomba atômica.

Ali estava diante de mim uma verdade que começa seu caminho para a perda, o descontrole sendo gestado nas entranhas de Pelotas. Não penso que o estado deva ser responsabilizado. A grande transformação social que se dará...não virá via estado. Mas homens e mulheres comuns... começarem a importarem-se uns com os outros como seres humanos... um humano que esta para além das leis que regulamentam o estado.

Minha mente utópica pensa tais coisas, a consciência coletiva parida da conscientização individual.
Por um momento a situação de Zéfiro me incomodou muito, mexeu como meus raros sentimentos, eu desejei arranca-lo das ruas , arrancar sua dor, tentar dar-lhe um futuro, uma chance de ser diferente...minha utoia errante...
Joguei o lixo no latão, e minhas lagrimas se misturaram ao odor fétido que todos produzimos.

Luís Fabiano.

Segue...

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