Conto Maldito de Natal
Parte 1
Conheci Zéfiro, quando a vida já tinha feito um estrago imenso em si. E em mim também, se penso no passado algo se convulsiona em minha intimidade. Como viver sem lanhar-se? Sem lanhar? Gostaria que fosse possível, gostaria que houvesse tempo suficiente para aprendermos a viver pacificamente uns com os outros...
Zéfiro é um guri como dizemos aqui no sul. Um andarilho das ruas de Pelotas, que tenta sobreviver a tudo, a sua solidão, ao lixo e aos dias ruins. Nossa relação começou, porque sempre o via na volta do latão de lixo próximo a minha casa.
Em primeiro momento ele não era ninguém diante dos meus olhos, uma sombra que respirava. Mas dia após dia quando eu ia levar o lixo, lá estava ele. Olhos são coisas fantásticas.
Quando o vi realmente, foram os olhos brilhantes, não de esperanças, não de alegria, mas um brilho de uma estrela que vai se apagando. Fomos conversando coisas desimportantes. Sempre fazemos isso quando começamos a falar com alguém... algumas dessas conversas nos conduzem a nada outras...
Então dia após dia, ele passou a me contar um pouco da sua trajetória de doze anos de vida. Puta merda doze anos, e ele tinha vivido mais coisas que muitas pessoas do alto confortável de suas vidas nem sonhavam. Tinha visto o horror de perto...
Ele me foi contando tudo em partes. Como nossas vidas, o que foi dizendo não constitui nenhuma novidade, por que vemos essa merda todos os dias na teve... e trocamos de canal. Zéfiro não tem como mudar o canal... não tem.
A mãe era maluca, bêbada, drogada viciada. Crack não é novidade de agora. Apenas a mídia da um pouco de atenção porque as “pessoas melhores” estão sentindo o reverberar da calamidade.
Mas não tanto... afinal é natal agora... a porra do papai Noel precisa de espaço... precisamos comprar coisas... e ser feliz não é? Ainda que a porra da vida esteja caindo por cima de nossas vidas...
Desculpem não quero parecer amargo, mas a historia dele me mexeu. Então Zéfiro foi criado em meio o caos, o pai não existia, pois a mãe trepava com qualquer um. Uma vadia viciada, que tentava gozar possivelmente, algum momento de vida. Agarramos-nos ao que podemos. Isso soa estranho... mas todos estamos querendo um bom momento na vida, uns preferem as pinturas de Da Vinci outros uma trepada com um estranho, que lhe dê uma grana e talvez consiga gozar se o cara for bom... raramente, só descarregam a porra com um cachorro do inferno e se vão.
Mas dona Zuleica tentava do jeito dela, não julgo. Ele me disse que ouvia aos cinco ou quatro anos os gemidos dela, as risadas dela na escuridão... aqueles homens batendo, urrando, e se ele falasse algo ...se dissesse algo, vinham os tapas.
Fui notando que ele falava pouco... mantem muito silencio. Era isso, ele esta sempre esperando o tapa quando fala algo a mais... um tapa que machuca. Ele não ri das minhas piadas idiotas, mas aqueles olhos falam.
Ele morava num barraco no Getúlio Vargas. Alias um mundo a parte. As suas memorias de lá são terríveis. Lembrei-me da minha infância. Não tenho memorias ruins, vivi em paz, uma criança com brinquedos, não passei fome, tive muitos amigos, mas fui cruel as vezes com alguns, mereceram. Meu senso de justiça sempre foi muito pessoal, nada passional.
O Zéfiro é muito baixo e magro, pés descalços e sujos, um cabelo escuro e grudado. E aquele rosto sem um sorriso. Doze anos... sem risos. Fala com voz firme e olhando pra baixo.
Perguntei a ele em que ele acreditava:
-Nada... e nem em ninguém.
-É sei como é... faço isso também...
-Mas tu deveria acreditar...
-Por quê?
-Tu tens tudo... se precisar tu vai pra cima deles...
-Não é assim... não gosto de brigas... faço o possível para desviar de gente que me provoque, é mais fácil... e seguro pra todos.
-É se tu diz...
Nossas conversas foram se tornando mais intimas. Uma conversa rápida de cinco ou sete minutos, onde compartilhávamos nossos momentos. Gostei dele, sou antipático por natureza, prefiro assim, não são todas as pessoas que me interessam só as que têm algo a dizer.
Segue.
Luis Fabiano
Um comentário:
"Perguntei a ele em que ele acreditava:
-Nada... e nem em ninguém.
-É sei como é... faço isso também..." Assim como Zéfiro, tu não acredita nem mesmo em ti.
A história do Zéfiro é boa...mas será mesmo que as pessoas que tem algum bem material tem mesmo tudo? Ou será que são os que não tem nada é que tem tudo.
Postar um comentário