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quinta-feira, novembro 17, 2011


Carinhos de um Porraloca


Parte final

Geórgia engravidou, com a pior das possibilidades naquele instante... de certa forma eu olhava aquela situação como que antevendo as agruras dolorosas que viriam a se seguir. Falta bom senso no humano... falta a fria fibra de perceber os desvãos sombrios do caminho, e de alguma forma tentar escapulir.
Escapulir?

Não, não fazemos isso, vamos caminhando como um cortejo pastoso, ainda que nossas emoções nos falem silenciosamente que não. Somos a mosca atraída para luz, uma luz que irá matar a mosca, luz que ilumina e faz morrer.

Mas estranhamente, Daniel me pareceu ficar mais humano naqueles dias. Aquela ex-mulher dele, grávida dele, em meio aquelas brigas intermináveis com fodas notáveis, como ele me disse... Quem já brigou com a mulher em casa, sabe que depois de uma briga, a foda parece ser melhor... parece reaquecer algo... ou então trepar com raiva, e terminar em um gozo amoroso é formidável.

A cadelinha furiosa... rascante...louca dando tapas, agredindo, berrando... e tudo vai desaparecendo quando lentamente a penetramos, a xoxota se comprime e depois risadas lubrificadas entre o suor e porra. Uma das coisas mais lindas da humanidade.

Os meses que se seguiram foram curiosos. Um pouco melhores para todos, mas a Geórgia não aliviava as drogas. Fazia um coquetel com whisky, enquanto a criança crescia em suas entranhas. Ela brindava a vinda do filho se entorpecendo o máximo possível, surda completamente aos bons conselhos.

Uma consciência louca... uma cadela com raiva vagando nas ruas desertas, chantageando Daniel para que ele voltasse... por que se não, ela iria abortar aquilo! Falava em aborto como se fosse cagar... Daniel tentava contemporizar. Amor estranho amor, muitas vezes ele me disse que fazia tudo pelo seu filho... tentar cuidar daquela mãe louca, sim, agora se descobriu que ela esperava um menino. Com tudo isso ele parecia feliz... mas não muito diferente do que é.

Não há magia no mundo... e nem milagres programados via fibra óptica. Muitas vezes penso: o que é necessário para alguém mudar? Qual a cota de dor que é necessária a preencher, para que alguém altere a sua vida? Quantos baldes de lagrimas são necessários encher? O quanto devemos perder, para entender que perdemos ?

Isso me irritava profundamente. Mas eu tinha meus problemas, minhas merdas também ferviam no caldeirão. A diferença que não era descontrolado ou passional. Sempre houve em mim uma frieza limpa e elegante. Lágrimas raras, uma resignação estudada, com um escudo que me ajuda a controlar meu brutal. Posso ser detestável, louco e um perigo a mim e aos que me estão ao derredor. Então com um sorriso, e a capacidade de suportar golpes dolorosos, e simplesmente tentar seguir em frente, mais endurecido, esperando algo de melhor a frente.

Minha esposa começava apresentar uma certa insatisfação conosco. Aquela trepada das quartas-feiras, aquela relação feita de álcool e filme, nos cansava. Sem brigas, e demasiadamente limpa, me levava as duvidas. Não conseguia perceber se ela gozava, se fazia aquilo para cumprir as regras instituídas do matrimonio? Sem gemidos, nem parecia gostar muito... um madrugada fui acordado por ela se masturbando, gemendo baixinho...não queria me acordar, me fiz que estava dormindo. Nada adiantou as quartas e nem nada. Passei a sair mais cedo de casa, e a chegar mais tarde. Quando lembrava da xoxota dela... sem pelos... seca como um deserto... minha ferramenta não se animava.

Não haviam discussões, isso era bom e péssimo ao mesmo tempo. Significava que eu estava indo embora, que ela estava distante... uma fatalidade esperada, quando ambos não crescíamos em nada, nada tínhamos a acrescentar um ao outro... seguir pra que? Passionais jamais entendem isso.

A barriga de Geórgia crescia, e chegaram a ter um breve momento de paz.
Paz?
A vida, a natureza cobra cada centavo de nós... isso é uma merda. Uma noite de madrugada calma, onde parecia que Deus estava conosco. Um telefonema ferindo o silencio da noite, Daniel dirigindo como um louco, uma noite linda e estrelada. Ironia profunda. Geórgiax contorcia-se de dor, havia bebido, havia usado cocaína... agora... chegam ao hospital, ela estava com sete meses... Daniel entrou em desespero, médicos, enfermeiras, que vai acontecer?

Tomado por um sentimento fora do comum, olhou para uma Nossa Senhora pendurada na parede da sala de espera. Mentalmente orou: Mãe de Deus, por favor... Mãe... faça com que eles fiquem bem... que seja um susto... nos precisamos voltar pra casa...

Uma prece sentida, querendo se possível arrancar da vida a vida... Daniel era um outro Daniel. Fomos avisados e corremos para o hospital. Via tudo isso em loco, e via meus problemas desaparecendo em uma nevoa de dor, que ia para além do mar egoísta que vivia.

Fizeram uma cesariana de emergência na esposa de Daniel, a criança foi tirada com vida. Estava ao lado dele, naquela sala de espera de silencio e éter. O cheiro forte do hospital é uma espécie de alento e agonia... que vai acontecer? Por fim vieram as noticias, um médico com olhar grave, cabelos grisalhos e um tom de voz imponente disse:

-Senhor Daniel?
-Sim.
-Sua esposa esta bem, seu filho porem não. Ele precisará ficar na UTI pré-natal... estamos fazendo o possível, mas ele não esta nada bem... lamento, tenham uma boa noite.

Daniel chora em silencio. Todos o abraçamos e fomos fazer nossas preces para que André (este era o nome da criança) ficasse bem.

Não creio em metamorfoses instantâneas. Mas o clamor da vida às vezes nos anestesia e por um tempo somos o que não somos, anestesiados pela dor. Isso... a dor nos anestesia. Os dias que se seguiram, Daniel passou estar na UTI todos os dias mais de doze horas por dia. A mãe de Andrezinho, saiu do hospital em dois dias e nunca mais apareceu. Uma serpente que se alimenta das próprias crias era melhor que ela. Voltou ás drogas com toda força... como disse parecia que havia cagado a criança.

Aqueles dias foram difíceis para Daniel. Ele via a criança através da incubadora de vidro, tocava nela, fazia carinhos, contava historinhas, dizia que iriam jogar bola mais tarde... A criança recebia todo o seu carinho... e durante quinze dias, isso foi a vida inteira de Daniel. Pensei comigo: acho que jamais seria um bom pai... acho que jamais seria um pai como Daniel.

Quando ele chegou então naquela manha no hospital, a medica plantonista o chamou em uma sala, ele pergunta:

-Doutora, tá tudo bem? O Andrezinho passou mal, algo assim?
-Não Daniel, infelizmente ele não resistiu... ele lutou mas... insuficiência respiratória os pulmões... bem...

Daniel chora em uma dor sem precedentes, soluça como uma criança, as lagrimas caem intensas, não diz uma única palavra...queria vê-lo...tocar pela última vez...

A medica mesmo sempre tão profissional, tem olhos umedecidos, Daniel tinha sido o pai e a mãe de Andrezinho. Um fim inesperado ao menos para mim. Andrezinho chegou a apresentar melhoras... e achei que tudo iria dar certo, mas nunca há como saber de nada.

Não brigo com a divindade, que tem suas divinas decisões, que são divinamente corretas... mas puta que pariu, um cara como Daniel, que estava um ser humano melhor, por causa daquele filho inesperado... a natureza não é boa mesmo ... e as vezes Deus também não.

Nos dias que se seguiram eu também me separei e não tornei a ver Daniel com a mesma frequência... mas de uma coisa eu sei, ele é um outro cara.




Luís Fabiano.

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