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segunda-feira, outubro 31, 2011


Enterro parte 1


Morrer não é fácil...

Nos raros momentos de cisão em minha vida, tento manter uma normalidade comportamental, quase estudada. Confesso que é difícil. Não observo a existência sob o mesmo prisma dos que me cercam. Não digo que seja melhor ou pior, não sei, apenas diferente creio.

Temos uma imensa dificuldade de traçar fronteiras do pior ou nos inspirar os afagos do melhor, do sonho, da beleza daquilo capaz de encantar ainda que seja por um breve instante, brilho de estrela... um breve instante é tudo que temos na vida.

Então, lá estava eu no enterro da minha vó. Decididamente morrer é foda, de qualquer jeito que aconteça. Lidamos muito mal com a morte, porque lidamos muito mal com a vida. Então esse drama feito de desenlace, é sempre fulminado e nos coloca a prova.

Cheguei ao velório muito tranquilo, olhei bem o corpo de minha vó ali estendido na urna... um corpo vazio... a forma que perdeu complemente o sentido de ser ali... a roupa gasta que a velhice consome e que a morte liberta. Mais uma vez... afinal que é o melhor?

Olhei-a bem... ela parecia tranquila... parecia dormir suavemente. Uns consolavam os outros, e eu era um ET ali. Ninguém conversava muito comigo. Temem alguma coisa, temem a minha estranheza, temem o que desconhecem.

Mas vesti a minha capa de simpatia emulada, em plasma de emoções diletantes do momento. A fragilidade, a dor, as lagrimas e por detrás o sentimento que um dia será sua vez... sabe-se lá quando? É isso que as pessoas se cagam de medo... é isso... puta que pariu pensam... quando será a minha vez ? Afinal, a morte não tem compromisso com nada... nem idade... nem cor... nem sexo... nem condições financeiras... é isso morre-se.

Meus tios conversavam fora da sala de velório, um assunto instigante: onde se pode conseguir um bom cabrito assado? Ou então capincho? Uma boa carne de tatu? E então javali? Sim... javali é feroz, ataca em grupo, bicho filho da puta...

Tudo isso entre risadas. De certa forma aquilo me fez sentir a vontade... bom saber que existem outras pessoas sem noção por aí... me tornei muito simpático. Naquele instante o funeral converteu-se em algo em um evento.

Parentes desconhecidos chegaram... e creio que esta foi a parte melhor. Tenho parentes que não conheço, belas mulheres alias, vestidas sobriamente, negras lindas com bundas fantásticas. Sou um bundófilo profissional como já me batizaram. Pensei em tirar um foto, mas devido as circunstancias, achei que não seria possível. Seria bizarro demais ?

Era melhor evitar uma falta de respeito explicita. O ser humano é estranho. Ali no lado de fora, todo falavam todo o tipo de merda, até que finalmente o assunto derivou para mulheres. Temos este misto de um respeito adquirido, como um molde deformado de uma realidade imposta, porem em nossas entranhas mais profundas somos muitas vezes bem diferentes. Ainda bem que não somos telepadas. Ler a mente alheia seria uma merda, existem pensamentos que disfarçamos até mesmo de nós mesmos... mas que quando solitários em nossa câmara de desejos e fracassos, não temos o menor pudor de pensar em detalhes.

O único lugar que podemos alçar asas de liberdade profunda, é na mente. No restante é preciso disfarçar mais ou menos bem. Mas existem aquele que são autênticos por natureza, geralmente não gostamos deles. Expõe as vísceras humanas, a mente aberta tocando um megafone em alto volume, então temos uma definição aprisionante para este tipo. Deixemos os pensamentos intestinais no seu lugar, não o coloquemos na mesa do almoço... não... não.

Então uma prima distante apareceu. Criatura fantástica, estava comovida mas não sei até que ponto. Pois afinal ela não tinha muito contato com a família. Aquilo foi bom. Ela vinha com aquela expressão meio triste, meio simpática, meio estranha... abraçando a todos os desconhecidos. Olhei bem para os seios dela, não disfarcei. Sorri entre dentes, levemente e pensei: boas tetas moça... talvez sua melhor qualidade.

Ela vem ate mim, me abraça... abraça forte...oh Deus...que bom. Quando olho novamente os seus seios depois dos pêsames, vejo que os bicos estão duros, marcando por cima da blusa. Afinal tudo não é tão mal assim. Esse sou eu. Um canalha sofisticado, de emoções que revoluteiam como um pássaro ferido, que tenta chegar ao ninho, as vezes sangrando, as vezes feliz. Não luto com esses pensamentos, não envernizo nada, não emolduro nada.

Não a vi mais depois.
Mas como uma sensação que se mescla ao pior do ser humano. Aos pouco alguma coisa foi me pegando, a exposição a dor alheia é uma espécie de infecção. Você olha distante a principio, e então como galhos de aço, um arame farpado, aquilo vai te envolvendo, enrolando... afinal eu não sou de matéria plástica, embora pareça.

Nas horas finais da despedida derradeira, a pastora rezava, e sua voz desafinada, mergulhava em mim... meu pensamento voa em direção ao passado... morrer é foda...morrer é foda... então lá estava eu, um barbante engomado distendido entre o passado da morte de meu pai...e no presente diante de minha vó. Engoli em seco, enquanto meu coração descompassado, tentava ficar em paz...

Por fim tudo termina. O cortejo segue até o buraco na parede onde ficaria os despojos de minha vó. Os sons ganham magnificência, os tijolos em notas agudas, a colher do pedreiro raspando no cimento, o cimento de secagem rápida, tijolo a tijolo lacrando o corpo para sempre... olhos que nunca mais verão aquele corpo.

Numa dor aguda, tentamos nos agarrar a alma... porra é preciso ter uma alma... a natureza faz sua cena, procure um pouco de paz...mas e bom ter na mente que tudo que temos é o instante... este exato instante.



Luís Fabiano.

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