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terça-feira, junho 21, 2011



Garrafa Vazia e um Céu Ranhento
Madrugada de segunda-feira em Pelotas, avança em um ranho modorrento caindo do céu. O tempo pinga uma coriza constante, a garrafa de vinho acabou nos estertores de um ultimo gole, enquanto a televisão destilava piadas programadas. Tudo programado, mesmo o improviso é programado, possivelmente meu riso das piadas tolas também seja.

A taça vazia me desafiava, o impasse da justiça divina, o Hamlet desesperado do ser ou não ser, a inquietação antinatural reverberando na minha embriagues de cada dia.

Poderia descer os cinco andares que me separaram da terra firme... talvez seja isso, eu não vivo na terra firme, flutuo no ar, em uma goma cósmica, na saliva do Demiurgo. Subir no elevador lento que o sindico acha genial, fala das suas qualidades de subir e descer, como ninguém. Não gosto de ambos, do elevador e o do sindico, soa um cinismo ensaiado, ele não gosta de mim, mas nos respeitamos dentro da ojeriza que nos irmana. Elevador de merda, lento, um membro senil sonhando com seus áureos tempos da ereção suprema.

Eu teria outra opção, poderia deitar fechar meus olhos para esta dimensão, deitar-me e sonhar que estava comendo todas as mulheres do mundo, numa espécie de orgasmo universal, quando elas gozassem, jorrariam seu leite sagrado sobre mim, me afogando em prazer e amor, que morte maravilhosa. Sempre penso nisso, apenas me frustro pela impossibilidade, mas a ideia me acaricia.

Vencido pelo instinto, decidi caminhar no mar de ranho, lá fora. Eram uma e meia da manha, desci as escadas lentamente, as pernas leves, imagino que o vinho estava todo lá. Como uma embarcação sem bussola ou capitão, sai a rua, respirei profundamente umidade e rua deserta, não havia vento, minhas velas desfraldadas e inertes. Apalpei meus bolsos a procura de um cigarro amigo, mas eu havia me esquecido...

Sem muita vontade, comecei a caminhar, as pernas que me levassem onde quisesse, talvez até a esquina? Não, me inspirei magicamente como uma lâmpada que se acende. O bom e velho Pássaro Azul, fica perto de casa, o refugio dos malditos, mais fiel que qualquer igreja deste planeta. A porta esta sempre aberta, receptiva indistintamente, aos bons e aos maus. Quem pode ser mais equânime?

Fui me arrastando, um verdadeiro caracol, a lesma passando pelas possas de ranho, a chuva fina entrava em minha cabeça, dando um frescor. Tudo parecia parado, os carros não passavam, as pessoas não passavam, as nuvens malditas não passavam, como um tolo anormal comecei a rir de mim.
Que faria na rua? Mas que faria em casa?

Quando finalmente chego ao Pássaro, aberto mesas nas ruas como se a noite fosse promissora. Tem lugares que fazem você se sentir em casa. Isso me faz lembrar de um lugar maravilhoso que conheci no passado, foi engolido pelo tempo, pela crise, pelo inescapável período que todas as coisas duram, sem que o motivo do término seja relevante. Lá tinha um café maravilhoso, uma atendente que tinha uma bunda espetacular. Um bom café, uma boa bunda, que mais um homem pode querer?

Consolos e esperanças capazes de nos catapultar, para uma zona feliz. O Minifúndio, faz falta a esta cidade, um ponto cultural onde havia uma liberdade democrática, boa musica etc... mas esqueça disso Fabiano, o passado é passado, porem nem tudo esta perdido.

Entrei no pássaro azul, apenas uma única pessoa junto ao balcão, bebia o que parecia ser um uísque. Na tela, um DVD acústico, Jorge Bem chamando a banda do Zé pretinho. Sentei, o atendente, uma incógnita indecifrável do gênero humano, perguntou o que eu queria?

-Uma dose de rum dourado, uma pedra de gelo...

Tinha noção que esta seria a pá de cal naquela noite. Ainda bem que não peguei o carro. Estava seguro, nas calçadas e talvez encenasse como Gene Kelly, Cantando na Chuva. Mas se acalme Gene, nada tão animado assim.

No fundo não sei o que esperava lá, acho que nada. Fui bebendo o rum, enquanto me sentia mais cansado, o coração batia forte. Mesmo que entrasse uma vagina alada pela aquela porta, queria apenas deitar. Terminei o rum e ganhei a rua novamente. Como se tivesse feito minha oração do dia, sentia minha alma leve. Nem tento entender isso. A chuva havia passado, mas existem coisas que não passam, na esquina ao lado do lixo um mendigo molhado, vomitava agarrado a uma garrafa de cachaça, o saudei:

-E ai companheiro, tudo bem aí?
-Tudo, não tá vendo, não?
-É percebe-se...
-Vai pro inferno cara... se não eu te arrebento...

O cara estava mal humorado e eu não estava com disposição pra boxe na madrugada. Dei as costas, enquanto de longe ouvia seus arquejos. Finalmente cheguei de volta ao prédio, tudo silencio, morte e paz.

Nada espetacular aconteceu, as vezes a vida é assim, porem uma coisa impulsiona nossa sístole e diástole, a vida seguindo a frente, fazendo o que fazemos, por mais inútil que seja, nosso ato deve ser libertário, sem segunda intensão funesta de nós mesmos, o olhar, o afago o próximo passo, os pássaros que soltamos com nossas mãos, que eles ganhem altura e voem para além, tudo está consumado.



Luís Fabiano.

Um comentário:

Anônimo disse...

Dae figuraça, é o Zig heheheh... muito louco esse teu blog, estás escrevendo muito bem, um dia vai escrever um livro, um grande abraço.