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terça-feira, maio 24, 2011

Parte 4


Elisa adoece a alma.

Ganhamos a rua novamente, nos despedimos na esquina do Hotel Leste. Dentro de mim, sentia algo me corroendo por dentro, um rato selvagem que se esgueirava no peito,mordendo, arranhando, escavocando as entranhas a procura da saída.

Era o medo, talvez devesse deixar o rato sair para fora, e me comportar-me com um, saltar do navio antes que tudo fosse dar na praia de merda. Não queria fazer mais parte daquele plano mesquinho, não havia paixão, não eram minhas virtudes cantando sua opera, mas não parecia legal.

Elisa saíra rebolando a bunda, convicta que era uma verdadeira filha da puta assumida. A dança dos escrúpulos humanos, movidos pelas varetas dos vícios ou virtudes, com uma ausência de alma, que chega a ser desesperador, como uma dor nos ossos.

Segui tocando minha vida, em casa o mau humor Marisa se aliviava quando fazíamos amor, e creio que isso tornava a coisa suportável, a merda de vida que estava vivendo. Mas o maldito rato dentro de mim, ali ainda queria sair, mais um navio, que cedo ou tarde seria necessário pular em alto mar.

Finalmente as coisas começaram a acontecer, Elisa fora no baile e pescara um velho dos bons, um peixe gordo e suculento, um rosto bonachão de sorriso fácil, uma barriga protuberante, cabelos nevados mas o olhar dele tinha alguma coisa.

Rapidamente, passou a frequentar a casa de Nelson, as visitas se tornavam mais intimas até que um dia os desejos se tornaram inflamados, e o velho tentou algo a mais, porem infelizmente o membro não ajudou. Nervosismo, a idade e o coração fraco, falou.

Elisa sentia-se mais que excitada quando ele broxou, entendeu que a vida se lhe seria muito fácil, afinal ela aguentava coisas piores, diante de um pau que não sobe, existiam outros que pareciam incansáveis, estacas eternas apontadas para o céu:

-Elisa, como isso será agora?
-Bem, ele já tá no papo cara, disse que nunca sentiu o que sente por mim, nem a falecida Rute (que Deus a tenha e o diabo mantenha) mexeu com ele como eu mexo... acho que vamos casar...
-Nada como o amor, o eterno amor, a velha Rute certamente esta vendo isso de camarote...
-É ,ele diz que minha boca é de ouro, que a Rute nunca chupou ele... tinha vergonha, medo sei lá...
-Nossa que poesia, um boquete leva a pessoa ao amor rápido...
-Pra tu veres, homem é realmente muito idiota, só pensa com uma cabeça... a que fica na minha boca...há,há,há.
-Tá, mas ele fica com pau duro?
-Não, nadinha, aquilo parece uma lombriga, um verme, branco mole-mole, as vezes fica meio molhado, mas acho que ele se mija um pouco...
-Ual, Elisa isso é muito nojento... seja como for, você tem culhões garota.
-O afrodisíaco é o dinheiro querido, dinheiro facil...

Gargalhou como uma pomba gira louca, sem duvidas o diabo havia comprado aquela alma. De qualquer forma, beijei aquela boca que havia sugado Nelson, que tentava fazer reviver o membro lânguido, que talvez acordasse aquela alma a caminho da morte.

Naturalmente, ela conseguiu seu intento, em questão de pouquíssimos meses, morava com senhor Nelson, e seus oitenta e cinco anos. Porem, a prisão não precisa ter necessariamente grades, as correntes são feitas de teias invisíveis. Junto com as roupas novas, os cuidados com o cabelo e algum dinheiro, as sombras de Elisa também foram invocadas.

Neste interim fomos naturalmente nos perdendo, nos afastando porque, Nelson, queria Elisa sempre dentro de casa com ele. Insistia que ela devia fazer isso e aquilo pra ele, o bom velhinho também foi mostrando suas garras, expondo suas patologias mentais, o quadro se distorcia, felizmente eu estava longe disso, pois a narrativa agora ganha distancias, como as noticias de Elisa vieram a mim.

Agora já não mais existia o nosso plano, ela havia terminado sua metamorfose, o Hotel Leste ficou para trás, a cama barata onde nos divertíamos como almas inocentes, onde a vida escorria leve, embora a dureza financeira fosse algo patente, mas quem lembrava-se disso? Poderíamos viver assim para sempre.

Mas o berço da miséria inquietava a vida, sacodindo a borra que carregamos na alma, espelho de miséria em nós, onde se mesclam nossa primitiva inferioridade e os sonhos angelicos. Em nome disso, muitas vezes perdemos o melhor da vida, o grito selvático e pesado do nosso pior.

Já haviam passado seis meses que Elisa havia desaparecido. Tentei não esquentar a minha mente com isso, tocando minha vidinha despretensiosamente como sempre, sempre fui um homem talhado para perdas, perder isso ou aquilo não me atinge, já entendo que faz parte da existência.

Vivo mais intensamente o que a vida me presenteia, sem que as asas sejam acorrentadas em eternidades, afinal a eternidade esta em um segundo quente, vivo e pleno.

O meu telefone toca, era Elisa:

-Fabiano, tu podes me encontrar, preciso de ti?
-Posso, sem problemas, onde?
-No Hotel Leste, eu pago...

Havia um desespero na voz de Elisa, uma ansiedade, algo que não gostei de perceber no silencio entre suas palavras.

Quando cheguei no Hotel, a cafetina apenas apontou o quarto a direita, o melhor quarto da casa, tinha até um banheiro. Elisa estava sentada na cama, com um vestido preto, curto, os cabelos muito bonitos, unhas pintadas, um sapato de salto alto e um perfume que tentaria os arcanjos, um contraste total com aquele ambiente sujo. Seu rosto parecia envelhecido:

-Olá menina, mas que linda estas...


Ela me abraça forte, um abraço dolorido, chorava, e foi logo vomitando:

-Eu sou uma escrava Fabiano, tô presa aquela casa, aquele velho asqueroso, nojento. Tu não fazes ideia o que ele é, ele é monstruoso...
-Monstruoso?

Eu tentei imaginar alguém de oitenta e cinco anos, monstruoso, vestido de sadomasoquismo, berrado, chicoteando, batendo de forma violenta... mas algo não combinava.

-Sim ele me obriga a fazer coisas terríveis, me joga na cara que me da tudo, que me paga tudo e logo eu sou dele, que vou morrer junto com ele...
-Mas isso é verdade, você é dele, lembra tu te vendeu... golpe do baú...e tal...
-Eu sei, mas quero sair de lá, mas não tenho mais pra onde ir, o velho não fica de pau duro nunca, então não vou engravidar, tenho sugar aquela linguiça crua, ele gemendo como um cabrito, se mija dizendo que tá gozando...olha...tem mais, muito mais...ele não me da dinheiro vivo, apenas me paga as coisas, logo eu tenho tudo e não tenho nada.

Lembrei das lutas de MMA. Onde os lutadores precisam saber mais de um tipo de luta, onde chutes de muay thai desferidos no mesmo local, terminam por mudar a luta completamente, bastam apenas três chutes fortes, e luta não é mais a mesma para vitima.

Afinal Elisa tinha entusiasmo inicial, porem na continuação, o velho parecia estar ganhando o round. Elisa se saísse da casa do velho, teria que dar adeus ao bom tratamento, e voltar a faxina, e não queria isso. Vivia uma pressão dupla, interna e externa:

-Elisa, eu acho que deves sair de lá o mais rápido possível, e voltar a realidade, a vida é foda, dura, e as vezes um chão sujo é melhor...

-Nem pensar, jamais voltarei a ser o que eu era...nunca.
-Nunca?
-Nunca. Já me fodi muito na vida Fabiano, agora eu prefiro então comer merda na mesa de luxo, que comer merda em um mochinho.
-Tua escolha tá feita garota...

Os ratos em mim saiam pra fora, pelas orelhas, pela garganta, pelo cu. Aquilo era uma historia típica tecida de egoísmo, eu não poderia ajuda-la, queria que voltasse a ser a Elisa leve, sapeca mas não mais, ela naufragava sem salvação.

Nos olhamos em silencio, um silencio feito de farpas afiadas, ela se ergueu e foi embora batendo a porta. As malditas fragilidades do ser humano. Conheci diversas mulheres oportunistas, e invariavelmente o destino delas foi idêntico, cedo ou tarde se deram mal...



Continua.
Luís Fabiano.



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