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sexta-feira, março 25, 2011


Cansaço, rasgando a noite


-Eu acho que deveria ser mais malvado, sabe, tipo bandidão mesmo, cara de mau e tudo.
-Não torra, tu sempre foi um cara comum, teve momentos que até achei que eras meio viado...
-Que isso? Quando? Tais querendo apanhar?
-Calma, calma, camarada não é pra se ofender, não é nada demais, afinal tu sabes, cada um dá o que tem e quem nada tem, nada dá, já dizia o Ramalhão.
-Não to gostando deste assunto Fabiano, não to mesmo, me conta porque tu achou isso?
-A vida não foi feita para nos gostarmos, gostar é um requinte sofisticado que pode acontecer ou não. De um modo geral, somos estuprados sabe? A maioria das vezes sem perceber, com um pau de veludo oculto, rasgando as pregas silenciosamente, sulcando nossa alma.
-Tu já viajaste cara. Para com este rum, isso ta te pirando hein...tu sempre foi meio lelé, tudo bem, mas vamos voltar o assunto, que tu achava que eu era viado?
-Ou é, ainda não sei. Bem, tudo foi muito simples, tu se lembra da Vandinha safadinha né?
-Aquela vagabunda, eu sabia... eu sabia...tinha que ser ela é claro...
-Pois é cara, ela bebeu um muito, e abriu a caixa da gordura, disse tudo. Que se esfregou em ti, que colocou a buceta na tua cara e nada, tu virou pro lado e foi dormir... que isso camarada?
-É, foi isso mesmo!
-Porra cara, a Vandinha é gostosa e bêbada estava pronta pro crime... e tu foi dormir? Que merda de homem é isso?
-Ninguém vai entender nunca, mas eu não tava afim, minha cabeça tava cheia e meu pau era um polvo fora d’água.
-Tudo bem deixa isso pra lá. Toma a tua cerveja, porque a porra da vida é curta cara, dando ou não o cú, no fim todos se fodem, viram tocadores de harpa ou ensopado do Demônio...

Rimos muito das merdas estávamos falando. Ás vezes a vida deve ser assim mesmo. Aquele dia não tinha sido o meu melhor dia, estava cansado, com o coração vazio e tentava pinçar nas estrelas algo que me encantasse. Mas estrelas estavam de férias naquele dia.

Encontrei André naquele bar da avenida, que eventualmente frequento. Ele estava sentado à porta, e bebia uma cerveja. Prestamos serviço militar juntos, não éramos grandes amigos, mas a bebida é um traço que socializa as pessoas, e tudo fica mais fácil.

Não me demorei muito ali, achei que era melhor voltar para toca. O ambiente estava ficando mais pesado. Essencialmente não me importo com que as pessoas fazem de suas vidas, mas tem momentos que desejo ficar a parte disso, não virar testemunha de nada.

André queria seguir o assunto, mas sou de temperamento volátil, o que me interessa rapidamente se esfuma, torna-se nada, então vem o novo interesse, e tudo parece novo. Tanta futilidade me cansa, minha solidão é consoladora e segreda poemas de amor em meus ouvidos, coisas que nunca ouvi de ninguém.

Pago a conta e deixo André no vácuo. As ruas de Pelotas, as três e meia da manha, pareciam móveis, tornavam-se sinuosas ao abandono, caminhei devagar, uma ambulância em desespero passa por mim, alguém por aí estava ferrado, lembrei-me do maldito desespero do mundo, de gente que não conheço sofrendo, em suas merdas de vida, tentando talvez sobreviver.

Detesto estes tais ataques de humanidade que as vezes tenho, culpo o álcool. Na esquina um mendigo abraçado a uma garrafa, grande amor de sua vida.

Pensei comigo, talvez se eu encontrasse Vandinha agora hein? De-repente ela surgisse do nada, hein? Mas nada, tais pensamentos são quase como as preces que fazemos na hora do desespero, rezamos forte esperamos que Ele, diga algo agora. Mas não, tudo fica em silencio, e se tudo der errado, a falta de fé é tua a culpa e tua. Muito liso esse Cara.

Naquela hora maldita, nem Vandinha, Deus e o caralho, era apenas eu, eu e mais eu. Cheguei em casa, nunca me minha cama pareceu tão linda, deitei de roupa mesmo e adormeci como um anjinho bêbado.

Acordei no outro dia, não tendo muita certeza que havia acontecido, sonho ou verdade? Não esquentei a cabeça, acordei animado, e até tinha alguma vontade de viver, creio que no fundo deve ser isso.
Algo precisa renovar tua vontade de viver, e creio que tenho alguns motivos.


Luís Fabiano.





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