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quarta-feira, fevereiro 16, 2011


A cadela redimida do demônio


Monica gostava de apanhar. Valadão gostava de bater. Formavam um belo casal. Vendo-os todos os dias e madrugadas, me sentia convicto que o amor é realmente algo muito forte.

Apenas para constar, eles eram meus vizinhos. A rua inteira sabia da situação. Vendo a encenação de todo dia, fui me dando conta de quão pouco respeito é preciso dar as mulheres. Na vida, creio nunca respeitei nenhuma. Não é nenhum troféu mas é verdade.

O mestre Nelson Rodrigues já profetizou: “mulher adora apanhar, homem que não gosta de bater...” nas devidas proporções e entendimento, não deixa de ser verdade.

A bem da verdade, gostava de vê-la apanhando aos prantos, e depois voltava aos braços de Valadão. Porra isso é lindo. O tempo fez que, minha convivência de mero expectador, se transformasse em algo mais próximo.

Como uma confusão anunciada, o que muito me agrada. Em outros momentos achava que isso era algo falso, porem verdadeiramente faço questão de procurar boas confusões. Tais confusões enriqueceram minha miséria existencial, creio que sem tais situações, muitas de minhas historias seriam insipidas e funestas. Então viva as merdas que habitam minha vida, e todas as porras de aconteceram até hoje, e todas as pessoas que tive a satisfação de conviver.

No dia seguinte, depois da maior surra, Monica veio falar comigo. Quando olhei sua cara, não sabia o que pensar, talvez ela fosse um Picasso vivo. Valadão era um artista. O olho direito era uma mancha escura e inchada, um corte no canto da boca do lado esquerdo, um dente lateral já tinha ido, talvez pela cárie. Mesmo assim ela ainda conseguia exprimir um sorriso. Eu estava completamente ocioso, e ela bateu na minha porta:

-Oi Fabiano, tudo bem ? Podemos falar um pouco... ?
-Entre aí. Tua cara tá linda hoje, a decoração é moderna né – disse rindo.

Ela entrou e sentou, realmente não sei que Monica poderia querer comigo. Mas não impediu que apreciasse suas coxas gostosas, em vestido que subiu acima dos joelhos ralados.
-Fala garota, canta tua musica?
-É preciso falar? Não aguento mais essa vida...cara tudo isso todo dia, ninguém me respeita mais...meus parentes me abandonaram...dizem que eu sou vagabunda...Valadão chega alterado, cheirado ou bêbado, e quando vejo começa tudo de novo...
-Sei, e aí mais tarde você da xoxota pra ele né? Amorzinho gostoso e sangrento né ? Eu seguia rindo.

Não seria eu que iria ela a sério. A bem da verdade fui além do cinismo:
-Acho que, sinceramente Monica deveríamos ter um caso. Bom, ai ele te bateria com uma boa justificativa e eu gozaria...
-Para Fabiano...tu tá louco! Ai a coisa iria virar um crime sangrento, tu morto e eu também, que horror nem pensar...
-Tá legal, a tentativa é livre, na boa, que tu veio fazer aqui?
-Vim conversar...vim...desabafar...
-Sei, sei, veio se queixar...mas na boa Monica. Tu é mulher de vagabundo. Eu respeito isso. Pra mim vagabundas tem mais dignidade de donas de casa. Mas eu creio que precisas desencanar disso. Sabe, tu apanha, gosta de apanhar, qual o problema? Antes uma puta original, que uma falsa freira. Mande a sociedade, a rua, os vizinhos a puta que pariu e seja feliz. Eu acho que tu ficas mais bonita assim, marcada pelo amor, suada.

Ela levantou o semblante, com uma cara indefinida. Não sabia que havia gostado do que eu disse. Mas seja como for chorou. Não sei mais o que é certo na vida, mas sei cada ser humano é um universo a parte. Tuas dores são tuas, as minhas são minhas, e o carinho para cada uma delas sempre será diferente.

A agulha fere e queima, a lágrima leve e ampara. Vou lambendo ambas, sem nada desejar, e como um dia que amanhece, raspando a escuridão da alma, fazendo as flores nascerem, o caos converte-se em olhos de Deus, e tudo fica em paz.

Monica levanta-se e me abraça e vai. Sai sem dizer uma palavra. Não sei se acertei ou errei, mas a bem da verdade, o que fiz foi apenas leva-la um pouco a sério sem querer. Não acho que se deva remar contra a maré. A maré sempre vence. O que se precisa saber, quando é uma maré verdadeira, quando as ondas batem, como bate o ritmo do teu coração.
Voltei a minha ociosidade.

Luis Fabiano.

Um comentário:

Dóris disse...

A melhor coisa que outra pessoa pode nos falar a nosso respeito é o que ela acha, a verdade nua e crua sempre nos dá uma boa chacoalhada.
De que adianta tapar o sol com a peneira? Falar palavras bonitas apenas por falar? Então é preferível o silêncio.

Toda a PAZ meu caro.