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sábado, janeiro 08, 2011


O Eu terminal...


Amanheci com o pensando em doenças terminais. Vi muita gente morrer. Tive essa feliz oportunidade de trabalhar em um hospital público. Ali um misto de agonia, frieza ás vezes alguma felicidade se casam.

Acompanhar a vida das pessoas é fácil. Em vida tudo parece ser mais tranquilo.

Olhos brilham, o sorriso presente e um calor existencial. Na morte uma luz se apaga lentamente, a pessoa vai sumindo e virando espirito, por fim desaparece total.

Gostava de assistir tais momentos. Mas nem por isso, tal situação me ensinou a valorizar a existência. Pra mim é bom estar vivo, mas não tenho nada contra a morte. Aliás o contrário, tenho-a sempre próxima de mim, em pensamento e emoção.

Não foram poucas vezes que vi o desespero dos médicos e enfermeiros, tentando arrancar das garras da morte aquelas almas, e sem sucesso desistirem derrotados. Ficava olhando a expressão da pessoa recém morta. E alguns pareciam felizes. Eu acho que também ficaria, se depois de uma doença complicada e muitas dores, a morte me recebesse de braços abertos, ou pernas abertas. Treparia com a morte se fosse possível, uma trepada eterna, porque não?

Por outro lado, os que ficam choram, convulsionam, berram mas tudo é vão. O médico faz o atestado de óbito, como se emitisse uma nota fiscal da venda de um presunto, acabou.

No fundo sei como seria minha morte. Nunca fui de lutar por ninguém, por nada e nem por mim mesmo. Nunca acreditei em luta alguma. Vivo com o que tá, e se não tá, tudo bem.

Creio que se vier a ter uma doença fodida destas, que vão matando sem cura, certamente morrerei rapidamente. Não tenho a menor vontade de empenhar esforço e levantar a clava da vida. Não. Deixe-me morrer em paz, prometo que não vou incomodar a quem quer que seja. Basta esquecer-me e a natureza faz o resto.

Maldito pensamento. O sonho filho da puta que fez isso. Me vi muito velho e andrajoso, jogado em uma cama podre, moscas gigantes pousavam em mim, acordei com aquele zumbido. Existem moscas daquele tamanho? Não sei. Mas de qualquer forma estava sozinho como sempre estive. E naquele instante morrer ou viver não fazia a menor diferença.

Uma vez Paulo Francis escreveu: “ eu me considero tecnicamente morto...”.Eu o entendo. Em determinados momentos realmente nada ou ninguém fazem diferença, então essa indiferença é uma espécie de morte sem salvação.

Gosto desta pintura, traços fortes delineados, cores vibrantes como uma raiva existencial. Mas não há raiva. O que existe é apenas a pedra que bate no fundo do rio. Creio que ninguém gosta de revolver o fundo. Todos querem a superfície, onde o esforço é mínimo.

Nem entrarei em derivações de céu ou inferno. Uma vez que são estados de espirito. Nestes dias de verão, tem feito um forte calor, um calor infernal. Fico pensando naqueles que não tem condições, que não podem ir á praia, ou que não tem o que beber ou comer, puta merda, o inferno será muito diferente disso? Sentir morrer lentamente, pela fome, pela sede, pela dor, que diabo poderá ser mais cruel?

Fervendo o caldeirão da consciência, enquanto tranquilamente nos refrescamos, tentando escapar do inferno, fingindo estar no paraíso.

As vezes conseguimos. E tudo fica bem. Se você se conseguir se convencer de alguma coisa, ainda esta coisa seja a maior mentira, e acreditares com todas as veras da alma, pode ter certeza, que irá funcionar. Pode chamar de fé se quiser. Vai funcionar.

Aqui as coisas começam a ficar curiosas, não é mesmo? Gostamos de pensar que a vida tem um sentido. Então a morte também tem. A bem da verdade não há nada se você não atribuir a vida nada. Muitos passaram pela vida em brancas nuvens, vivem como se não existissem. Outros vivem vidas que imaginam, que sonham, mas a coisa não acontece porque não contaram bem a sua mentira. Depois que se passa muito tempo contando mentiras para sí, você aprende que é preciso conta-las sempre. De varias formas e esquecer o resto. Limite uma mente, e ela trabalhará com eficiência.

Naquele hospital vi mortes terríveis também. Gente que morre sangrando, botando tudo pra fora de uma vez. Aqueles que passaram a vida engolindo tudo, acumulando dentro todas aquelas mentiras contadas.

Eu achava fascinante a impotência que temos diante de certas coisas. Isso aprendi. Existem coisas e situações as quais você é absolutamente nada.

O calor é causticante, o corpo pesa e a consciência flutua. Não sei quanto tempo terei de vida, isso não interessa, uma coisa é importante. Estou aqui e em nenhum lugar mais. Estou aqui com toda a minha porra, toda minha emoção e alma. Não queria estar em nenhum outro lugar. Isso é fantástico.


Luis Fabiano.





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