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quinta-feira, dezembro 16, 2010

Destras da barba





Nunca ninguém percebe o que se passa por detrás das cortinas. Também não percebemos o que se passa em nossos intestinos, mas vemos o resultado final. No final, vemos a merda flutuando poeticamente em um vaso muito limpo.

Como o resto que nos cerca, dentro ou fora não nos interessa. Esqueça os detalhes, veja o resultado, o que sobra, o resíduo e a isso nos agrilhoamos. Nosso pensamento. Porem nem sempre derrota é derrota, ou vitória uma vitória.

É preciso entender o que anima nossas emoções, ou a emoção das emoções. É como caçar um fantasma horrível, cheio de garras e capaz de transformar tudo em céu ou inferno.

Muitas vezes, beijos não serão beijos, abraços não serão abraços, olhares profundos se assemelharam a abismos, mas se ficamos no resultado... ganhando ou perdendo não fará a menor diferença.
Sentado a um balcão, de um bom bar de Pelotas. Esse bom, não quer dizer bom, um bar apenas mais elitista. Naquele dia resolvi dar um tempo com a chinelagem que me anima sempre, esquecer espeluncas felizes que frequento. 

Fui dar uma de sofisticado, em um local um pouco melhor. Cabe dizer, que um lugar se conhece pelo banheiro. Muito limpo e cheio de espelhos, tem espelho ate onde você mija. Eu olho pra minha ferramenta pelo espelho, parecia maior, comecei a rir, é um bom marketing. Claro que acabei mijando no espelho também.

De volta ao balcão do bar, tinha comigo uns cigarros blacks e mentolados, são suaves. Não fumo muito, mas vezes é bom se intoxicar. No copo a minha frente, rum de Havana. Essa e minha maneira de estar próximo daquele lugar. Justamente com o cara que me ensinou a gostar de rum. Laços invisíveis, feitos de pensamento e emoção.

Então se achega um cara também solitário, como uma grande barba, óculos redondos e muito esteticamente correto. Queria conversar. Já disse que nunca consigo ficar sozinho por muito tempo.
Ficamos falando amenidades, idiotices , coisas sem importância. Essa besteira de final de ano, papai Noel filho da puta, da banda Garotos Podres, fazendo sarcasmos ao bom velho.

O cara tinha ares intelectuais, gostava de falar sobre origens, de onde as coisas vinham.Durante muito tempo quis saber de onde as coisas vinham. Principalmente de onde vinha o caos que me anima. Descobri que vinha de muitos lugares. Das minhas sombras, das minhas paixões e de uma sede pela vida, uma sede insaciável. Como um grande copo de cerveja e você tem vontade de bebe-lo de uma única vez. Então você derrama sobre sí, se engasga, vomita e a sede ainda está ali.

Com isso, acabei esquecendo as origens. Tornei-me um asséptico. Vivo sem futuro ou mesmo passado. É preciso deixar espaço dentro de si para o novo. E não um novo manchando de pesadelos que passaram, ou ânsias pelo que não existe, das coisas que são apenas zigotos de probabilidades. O intestino trabalhando em oculto.

Com o rum as coisas fluem.
Mesmo os antipáticos de metabolizam em mim. O cara seguia falando a respeito de origem disso e daquilo. Nosso assunto fluía, mas sem grande animação de minha parte. Fui notando que a medida que o tempo ia passando, a voz do cara se alterava. Começou com um grande grave, digno de um barítono com tendências ao baixo, e foi afinando. Como se alguém apertasse suas bolas. Agora parecia já uma cabra rouca. Os efeitos especiais da vida real. Por fim a cortina se abre. O cara se insinua :

-Que achas Fabiano de sairmos daqui? Ir pra um lugar mais tranquilo? Conversar melhor...

Entendi tudo.
Gosto de ver o ser humano. Toda a conversa intelectual desapareceu, a historia das origens, eram como armadilhas em uma floresta. Conheço bem esse jogo, a máscara que oculta desejos simples e banais, e repentinamente uma revelação fotográfica em câmara escura.
Sorri para Fred:

-Agradeço, mas creio te faltam alguns equipamentos que fazem mais a minha cabeça. Além do mais, seria preciso tirar outras coisas também, é melhor ficarmos no zero a zero,agradeço.

O cara era muito educado. Pediu desculpas e se afastou rapidamente. As pessoas gostam de limpeza, e que tudo fique como se não tivesse existido, ainda que tenha existido. Temos esse comportamento. Não gostamos de resíduos, e por outro lado é preciso que tudo deixe resíduo. São as mutilações do quanto perdemos, e o quanto ganhamos. No corpo são marcas, na alma, tendências, sonhos e pesadelos.

Não me demorei muito ali, comecei a sentir saudade da minha miséria. E como nunca sabemos o que há por detrás, mesmo sendo miséria, algo lá preenchia me coração, batendo no mesmo ritmo dele.
Precisamos estar no ritmo.



Luis Fabiano.


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