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quarta-feira, novembro 17, 2010


Agua Salgada


Quando a conheci, sabia que vinha perdendo-se lentamente. Talvez isso tenha me chamado a atenção. Na condição de silencioso observador. As reações humanas me fascinam as vezes. Tentando ser surpreendido, porem isso é uma impossibilidade.
Os seres humanos agem como agem, e isso muitas vezes não tem sentindo algum. Movidos por pressões advindas de seu próprio desconhecido.
Sonia não era uma mulher de classe baixa, mas nem por isso deixava de ser miserável. Tinha em si uma miséria que dinheiro algum é capaz de suprir. Vivemos tentando preencher nossas lacunas com grana. Foi isso que tentou e tenta a vida toda.
Nos conhecemos a muito. E ao contrário que se supõe, nunca me interessei emocionalmente ou sexualmente por ela. Embora seja raro, tive algumas mulheres que não despertaram a libido em mim. Despertaram nada. Muitas vezes enquanto dormiam ao meu lado, eu batia uma suculenta punheta, perdido em minhas melhores imaginações, mais vivas que a realidade.
Eu a achava insossa. Excessivamente ambiciosa.Gente assim eu considero futil. Futilidade é broxante. Desde muito jovem, falava em grandezas, viagens, dinheiro, muito dinheiro, em comprar o mundo e tudo, o seu maior ideal era isso. Embora na época fossemos adolescentes, ela falava diferente das outras meninas. Aquilo era a coisa mais  vital,real e possível. Algo me soava mal alí. Viria a entender mais tarde, que na verdade eu sentia uma ojeriza por ela.
Nesta época eu me esforçava para ser nada. Não queria nada com estudo nem mesmo com a vida ou trabalho. Nunca fui normal neste interim. Queria viver o momento, exatamente como hoje. Nunca penso em futuro. Prefiro usar minha imaginação para outras coisas. Masturba-se por exemplo.
O tempo passa muito rápido. Não demorou muito para Sonia, arrumar um emprego bom. Em uma corretora conhecida na cidade. Nós morávamos no subúrbio. Roupas comuns e botecos nas esquinas. Sonia deixou de interagir conosco rapidamente. Agora passava bem vestida e não olhava para os lados, não cumprimentava ninguém, não fazia mais parte dali.
Meus colegas ficaram muito chateados, eu não. Gente arrogante não me transtorna, possivelmente por ser eu também um. A vida me ensinou a usar todas as armas, que um ser humano tem.
Não tenho problemas de consciência, se tiver que ser arrogante, sou o pior deles. O crápula original com muito orgulho. Porem não confundam as coisas. Sempre digo que gosto de ter várias reputações contraditórias. E enquanto as pessoas se entretêm com isso, eu fico tranquilo e faço o que quero.
Sonia mudou da agua para o vinho. Foi até um dia que foi embora da cidade, pois iria trabalhar em um banco. Me perdi dela. Pela grandeza de seus sonhos financeiros, imaginei que tivesse conquistado tudo, o mundo. Nada é exatamente assim. O ser humano pode ser feliz onde está, e ainda que lhe faltem algumas coisas, se tiver em paz ele é milionário. Mas nunca percebemos assim. A ambição de Sonia era maior que sua inteligência. O contato com o dinheiro fácil e finalmente chegou a uma boa posição no banco.
Sua miséria mostrou as garras mais afiadas. Fez alguns procedimentos indevidos, desvios para ganhar mais e mais dinheiro, aqui e alí uma falcatrua. Foi descoberta, traída por seu sócio de trapaças. Os sócios se odeiam eternamente.
Vexame, humilhação, mentiras, defesas, ataques e demissão. Ela volta pra cidade natal. Como consequência, desenvolveu problemas depressivos naturais, mas sua miséria ainda não terminara. Processou o banco como culpado de seu precário estado de saúde. Devo admitir, uma bela atriz, a filha da puta pós graduada.
Quando a encontrei casualmente, estava muito magra, rosto encovado, algo triste e ainda assim, em seu intimo ainda brilhava aquela chama de breve insanidade. O que lamentei, mesmo com tudo isso, sua vida virado ao avesso, ainda não conseguiu entender quase nada. Não senti piedade. As coisas ás vezes são uma longa jornada, entender-se é um verdadeiro desafio. Não percebemos que por momentos, é preciso livrar-se de emoções daninhas por mais que nossos desejos apontem pra isso. Temos um apego mórbido as nossas dores, por serem portos conhecidos , tememos um mar aberto de possibilidades.
Quando terminamos de conversar, disse a ela que apenas lamentava. Mas ainda ela não havia entendido nada:
-O quanto mais você precisa perder Sonia? O que mais?
A pergunta foi como uma punhalada direta. Uma navalha se enterrando no peito, ela fica me olhando como se o silencio fosse feito de pedra. Ficamos ali nos observando mutuamente. Ela engole a seco uma gilete.
Não sinto vontade de falar mais nada, desejo me afastar. Por vezes merecemos o que nos acontece, mas não há crueldade nisso. A vida, a natureza são assim. O propósito sempre vai além do que concebemos, porem isso não faz sentido algum a nós objetivamente. Nossa fome é agora, nossa dor é agora, nosso querer é agora. Tudo que vemos é agora.


Luis Fabiano.

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