Pesquisar este blog

sexta-feira, outubro 01, 2010


Confidências

Não me queixo de nada. Aprendi a suportar as agruras da vida dançando entre a indiferença e o silencio. Detesto os que choramingam a vida inteira. Expondo suas vísceras orgulhosamente aos transeuntes. Dizem: ei, olha a minha merda fresca aqui? Você esta vendo o quanto fede? Você sente o cheiro? Ta sentindo?
Normalmente a estes, tenho sempre uma palavra dura para compensar sua fragilidade. Não há do que queixar-se. A vida não é, não foi e nunca será de barbada. Cada um de nós tem sua conta de merda pra comer. Saboreei. Não espere que alguém se apiede de você. E não torre a paciência dos outros.
Mas era sempre assim. Nos lugares mais diversos da vida, reúnem-se todos os tipos de filho da puta. Nos aproximamos por afinidade. Na época trabalhava em um hospital, fazendo serviço sujo. Uma sujeira limpa. Limpar restos humanos, cheios de merda e sangue. Um verdadeiro manjar. Não fazia sozinho. Tinha o Marcos, a Beti sua namorada . Beti era a enfermeira gostosa. Uma morena com tetas maravilhosas.
Marcos e eu conversamos durante aquele serviço na pia. Um momento ele vendo Beti afastar-se diz:
-Cara tô comendo a enfermeira do terceiro andar, lembra?
-Sei, a loira? Mas ela é demais, quanto ela te cobrou?
-Que isso. Nada de cobrança, apenas conversa, e um jeito de sairmos sem que o marido dela saiba e que a Beti não fique sabendo.
-Bem faça, você abre precedentes camarada, vá em frente.
Marcos não era meu amigo. Colega de serviço. Eu não havia perguntado nada a ele. Sabemos que as pessoas trepam pelos mais variados motivos. Eu fazia simplesmente porque é bom estar lá dentro.
Vejam como são as coisas, depois daquele dia passei a olhar Beti com outros olhos. Amaciei meu tratamento para com ela, claro ela notou. Namorada de Marcos a cinco meses. Digamos não era uma mulher difícil. Ele não tratava o material como devia. Entrei na jogada rapidinho.
Dias depois, nós limpávamos tripas e outras coisas, então disparei:
-Marcos, tô comendo uma enfermeira aí...
-Diz aí cara, quem é??
-Não posso, ela tem um namorado de uns seis meses mais ou menos, jurei segredo.
-Tá certo cara, mas depois me conta.
-Claro.
Ele sorria feliz, eu também. Ele não percebeu nada ou fez que não percebeu. De qualquer forma eu achei engraçado. Não estava sendo perdedor naquele momento. Minha relação paralela com Beti, abriu novos precedentes.
Depois de uma rodada de sexo. Aquela conversa sem sentido depois do ato. Ela confessa:
-Sabe Fabiano, eu vivo, mas não sei muito porque, vivo porque vivo eu acho.
-Bem vinda o clube. Você acha que as pessoas sabem exatamente o porque vivem ?
-Penso muito na morte, desde de muito jovem.
-Você não precisa pensar na morte, deixe que ela pense em você, afinal este compromisso já está marcado (rindo...)
-Acho que tu não entendeu, eu tenho vontade de morrer...não sei porque vivo, não acho que a vida valha a pena.
Me aborreci. Papo era aquele depois que tinha gozado? Fiquei com nojo dela. Detesto suicidas cagões. Se tivesse uma arma ali, daria ela fazer o serviço.
-Beti, você tem um filho, se isso não é suficiente pra viver, invente algo, acredite em algo que estimule a isso, mas não fique nessa. Indefinição é uma chatice. Você sabe, ou não sabe. Pensa, vou dar a boceta ou cú ? O que é melhor?
Ela me olha não entendendo muito minhas grotescas comparações. Achei melhor tomar um banho e ir embora. Ás vezes as pessoas não tem nada a oferecer. A duração máxima delas é de duas horas limite. A maioria das pessoas que conheço é assim.
No outro dia Marcos ainda estava feliz com a loira do terceiro andar. Para mim Beti se tornara uma chata cujo o sexo não me interessava mais. Restavam-me as tripas sangrentas.
A vida é universo dentro do outro. Tinha uma amiga que trabalhava no hospital, a Elisa. Ela era espirita de carteirinha. Porem isso não credência ninguém. Eventualmente ela me chamava para ver pacientes terminais darem o ultimo suspiro. Ela gostava de fazer preces finais.Ajudar nos desenlace, como dizia. Sempre na área dos indigentes.
Eu achava engraçado isso. Indigentes, pessoas que caíram na Terra de paraquedas, e não tinham nada ou ninguém por eles. Isso deve ser uma merda. Como nasceram, de onde vieram? Agora morriam na mais profunda solidão.
Ela me chamava para acompanhar isso. Eu fazia minha prece, talvez esperando que na minha hora derradeira alguém reze, embora ache difícil. Quando ví aquele senhor carcomido pelo tempo, respirando com dificuldade, no leito de morte, os olhos semi-cerrados, babulciando coisas repletas de culpa. A morte já estava de plantão.
Elisa fazia o pai nosso. Ele dizia baixinho e roucamente:
-Eu matei, eu matei, eu matei...
-Quem o senhor matou –perguntei.
-Meu filho, meu filho...
Não sabia se aquilo era verdade. Ninguém iria saber. Mas creio que isso não importava. Nestas horas tais coisas ganham um ar de indiferença. Hora de acertar as contas com Deus ou Diabo. Eu lamentava que ele tivesse confessando isso a mim. No fundo eu o queria bem, mas na hora da morte é bom ter alguém bom por perto. Alguém que signifique algo pra ti. Tantas histórias perdidas. A respiração frágil dele enchia o espaço, desejei que fosse em paz. Creio que no final só queremos isso.

Luis Fabiano.

Nenhum comentário: