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quinta-feira, setembro 02, 2010


Virtudes de areia

Marisa parecia perfeita demais para ser verdadeira. Tenho em uma percepção acurada da cretinice humana. Os semelhantes se reconhecem. Quando nos vimos á primeira vez sorria com graça e suavidade, gestos quase ensaiados.
Muito bonita, gosto afinado, a voz metálica traduzia uma correção que me causava engulho. Nossos santos não se “bateram” logicamente. Normalmente iria ignorá-la. Por todos estes fatores, e mais o que a acompanhava. Um marido forte.
Nesta época gostava de confusão. Dizia a plenos pulmões que esperava que minha vida fosse um caos. Com o tempo o caos me encontrou. A simplicidade de tudo parecia desaparecer.
Não era, mas aos poucos foi tornando-se. Com as merdas existências, você aprende, que é preciso domar vulcões, acariciar maremotos e trepar quando um terremoto sacudir a sua cama.
E por uma destas fatalidades do destino. Marisa veio trabalhar comigo. Então você duvida que o diabo esta a espreita? Estava disposto a colocar suas virtudes a prova. Na ocasião que fomos apresentados, apenas um olhar gateado, ela se traiu.
Tudo que se precisa, é que o tempo trabalhe. Fui sutil. Não fui mostrando as armas assim repentinamente. Até mesmo porque ela não era o tipo que me atraia. Esperei a confiança vir. Tornar-me amigo. As confissões entre amigos.
Naquele instante existencial, eu estava na minha segunda separação. Tinha animo e liberdade para ser um canalha a vontade. Tentações existem. Alguns vícios são latentes. Eu não era tentador, nunca fui mas também não tinha nada a perder.
Um mês depois de convivermos, sabia quase tudo se sua vida. Até mesmo do problema de humor do marido, suas ausências intimas e do pau pequeno. Era muito educado na frente de todos, a tratava com todo respeito na aparências. A vestia como uma Barbie. Porem quando entravam dentro de casa, acabava a encenação. Conheço muita gente assim.
Não preciso dizer que fiquei deliciado com a desgraça que cada um leva em oculto. Isso fazia lembrar das minhas próprias. A sensação de não estar errado realmente me excitou.
Então o cara não passava de um filho da puta. Com uma mulher bonita, que até ali era a pedra angular da virtude feminina.
Creio esse ser o maior problema das convivências. Tudo que vemos é uma ilusão criada por ideias sublimes ou terríveis. Porem com o tempo tais ideais vão diluindo-se como gelo no verão. E em poucos instantes, tudo converteu-se em um nada raso. Destas coisas vulgares que somos feitos eu e você.
Os dias passaram céleres. Marisa de mármore de Carrara, converteu-se um basalto, depois e numa rocha vulgar, no final não passava de um tijolo quebrado. Creio que a coisa que mais acho odiosa é exatamente isso. Ela foi ficando comum. Sem o brilho de minha mente, o lustre de minhas idéias, ela não passava de uma mortal.
A maior briga humana é exatamente essa, desmistificar seus ídolos ,sejam eles quem forem. Perceberem que tudo não passa de um brilho que a maioria das vezes lhes emprestamos.
Um dia, ela passou perto de mim, minhas mãos roçaram parte de seus seios.
-Opa, desculpe, foi sem querer...
-Tá tudo bem.
-Marisa, não foi sem querer...
-Tá brincando né Fabiano?
-Não. Falo sério.
-Tudo bem, mesmo assim estás desculpado.
-Desculpado? Você deveria dar um premio... tocar nestas tetas horríveis...
Começamos a rir. Mas uma brincadeira tão ingênua releva falhas, ás vezes vontades. Diante de um toque muitas coisas acordam, inclusive as ruins. Ela sorria bonito quando era natural. Sem aquela plástica que usava para parecer tão respeitável. As tetas eram boas.
No dia seguinte ela chegou triste no trabalho. A tristeza de alguém sempre é a felicidade de outrem. Certamente as grosserias de Nestor devem ter passado da conta. Esse cara merecia vários pares de chifres. Para ele, Marisa não passava de sua propriedade. Um móvel. Ele esqueceu tudo ou nunca sequer pensou nisso. Detesto esse tipo. Costuma ser aquele passional idiota, que irá matar, esfolar, enforcar e depois se mata quando traído. Os amores dos tempos hodiernos. Matar-se por amor? É bonito, mas creio que Marisa não seria a pessoa que me faria fazer isso.
A abracei e ela chorou. Estávamos sozinhos na sala. Ela repetia a ladainha:
-Não aguento mais...não entendo porque ele age assim...
-Marisa, não tem o que entender. A maneira dele gostar de ti é gostando de si mesmo.
Ela me olha terna, não resisto e a beijo. Ela não resiste nada. Mal sabia que as suas dores poderiam aumentar e muito.
Passei a ser seu “consolo” nas horas difíceis da vida. Na continuidade ficamos mais íntimos. Transar com ela foi bom, porem longe estava de ser a melhor trepada de minha vida. Era passiva demais, sem atitude, esperava os carinhos gratuitamente. Sem mordidas ferozes, Isso me causa enfado. Gosto das agressivas, que vem pra cima. Que berram, que choram, que xingam com palavrões.
Ficamos nisso um bom tempo. Mas Marisa continuava submissa ao marido, que um dia lhe tirou do emprego. No dia final ela me abraça e se despede chorando. Chorava demais. Dizia que seria difícil nos vermos, mas as vezes, bem as vezes talvez...
Não senti falta dela. Na verdade facilitou meu trabalho. As tais despedidas são sempre cheias de dramas. Não sentia amor ou mesmo gostava dela o suficiente para sentir falta. Aquele era um autêntico caso de amor comigo mesmo. Com meu ego, com minhas tolices e algumas vaidades. Marisa era apenas um catalizador daquilo que tinha de pior.
Depois dela vieram outras. Menos ostentosas, porem com grande disposição para o pecar com a alma. Brutais e lindas e que ainda assim pouco acrescentaram. Sempre quando olho uma nova xoxota, fico perguntando para ela mentalmente: Ei, que você tem a me dizer? Fico olhando aquele buraquinho escuro vermelhinho, em alguns caso o buraco é considerável.
Que será que irá sair lá da próxima vez??

Luís Fabiano
A paz é um buraco escuro
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